2006/10/07

O Pêndulo de Foucault – Umberto Eco

Um grupo de amigos decide fazer um estudo. Um estudo de todas as teorias esotéricas que pululam pela imaginação da civilização. Procuram conhecer “estórias” da Maçonaria, dos Rosa-Cruzes, dos Templários, etc. Enfim de todas as sociedades secretas que chamam a curiosidade tão normal, das coisas ditas “secretas”. A grande particularidade do estudo feito pelas personagens é que grande parte do que escrevem é fruto da sua imaginação, ou seja, eles próprios vão construindo o fundamento destas sociedades e utilizando uma lógica muito própria eles vão criando ligações entre tudo o que é esotérico, criando assim um mundo fictício. Até que o impensável acontece, esse mundo existe e eles acabam por se emaranhar nesse mundo, que nada mais é do que a concretização da sua ficção…pode parecer estranho isto que eu disse, para se perceber melhor, só lendo o livro.
Umberto Eco escreveu mais um excelente livro, que nos mostra a visão que ele tem dos esoterismos, sociedades secretas e teorias da conspiração. Que todos não passam de criações de homens sem fé, que têm que sentir um “mundo próprio”, cheio de mistérios tangíveis só por uns eleitos, para que a sua crença faça sentido. Fazendo da vida uma busca infinita de um conhecimento fantástico, que quando se chega a uma meta descobre-se que essa meta foi apenas uma etapa e que esse conhecimento afinal está mais além, sempre mais além. Claro que mais uma vez, Umberto Eco, não perde a oportunidade de voltar a mostrar qual a sua visão de Deus, como aliás faz em vários dos seus livros.
Um livro magnífico, muito denso, mesmo complicado de ler em certos pontos, em que duas passagens são essenciais, mas que no fim todo faz objectivamente sentido, uma obra de mestre que vale a pena ser lida.
Como última consideração apraz-me fazer uma pequena provocação, dizendo que tenho a certeza que Dan Brown leu o O Pêndulo de Foucault, só foi pena que tenha parado a meio…

2006/09/18

Alafce?! Prefiro rúcula!

Nunca escrevi, aqui no Companhia, comentários negativos sobre um livro ou autor do qual não goste. Foi uma opção que tomei logo no início de não mal dizer, afinal posso até não gostar, mas há de certeza quem goste e como se costuma dizer “gostos são gostos” ou “o que seria do amarelo se não fosse o mau gosto” e por aí adiante.

Na verdade repugnou-me um bocado a ideia de eu, que não sou nenhuma especialista, vir aqui dizer mal do que outros escreveram e alguém publicou. O que, a juntar à insegurança de nascença, sempre apoiada pela frase familiar “esta miúda tem cá um mau feitio!”, me fez sempre recuar perante a ideia de assumir as minhas desventuras literárias por escrito e à vista de quantos por aqui passam.

No entanto, chame-lhe mau feitio quem assim o entender, algo abalou estas convicções este fim-de-semana...

Alface... conhecem?

Eu desconhecia, ao que parece é o pseudónimo de João Alfacinha da Silva, emprestaram-me o último livro dele, “A mais nova profissão do mundo”, com a melhor das intenções - “vais ficar surpreendida, pelo que dizem é uma descoberta, reinventa o Português e é divertidíssimo.” - expectativas elevadas portanto, pensei eu que desconfio sempre do que os críticos da nossa praça dizem até prova em contrário. Já 'de pé atrás' pego no livro e começo a ler os pequenos contos, tentando disfarçar a desilusão crescente no meu espírito (afinal o livro tinha sido comprado pelo meu marido, com a intenção de o lermos no fim-de-semana que se cria de boa disposição).

Avancei, li mais uma, outra, e ainda outra à procura do tal “português reinventado e divertidíssimo”, mas nada... a meio do livro acabei por desistir “isto, de facto, não faz mesmo o meu estilo e quanto ao português a única coisa que encontro é o uso corrente de uma linguagem brejeira, vulgar, e expressões ordinarias, que compreendo seja muito divertido para alguns, mas a mim, não me diz nada”, e passei para o meu “Kafka – Na corda bamba” mas não sem um certo amargo de boca e uma interrogação que não me largava, terei sido presunçosa?

A resposta veio em breve quando o meu marido, depois de uma tentativa de descobrir o escritor do século pousou silenciosamente o livro na mesa de cabeceira e sussurou “de facto não tem nada de especial”.

Mau feitio ou não Alface, não faz o meu género!

Continuem em Boa Companhia!

2006/09/13

70 histórinhas - Carlos Drummond de Andrade



Esta é uma compilação de contos dos mais variados temas e de todos os géneros. É um livro 'leve', facil de ler, daqueles que todos (ou quase todos) conseguem, sem esforço, começar e acabar.

Pessoalmente gosto muito de Contos e, embora algumas das histórias aqui apresentadas não cheguem às duas páginas de texto, todas têm uma estrutura lógica, o que prova que não é a quantidade que conta, mas sim a mestria com que se consegue relatar um acontecimento sem entrar em grandes enredos novelescos que, às vezes, só complicam e não beneficiam em nada a obra.

De todas estas 'histórinhas', como lhes chama o autor, a que me ficou a ecoar na cabeça dias sem fim (quiça por identificação com os personagens) foi a segunda 'Nascer' que conta a história de um casal...

"O filho já tinha nome, enxoval, brinquedo e destino traçado(...) tudo isto o menino tinha, mas não havia nascido." Pág. 5

Como a maioria de compilações de Contos, é um livro tão agradável como inconstante, capaz de nos levar do riso ao amargo de boca num simples virar de página. Vale a pena ler.

Continuem em 'boa Companhia'!

2006/09/04

Astronomia

Fica uma indicação de excelentes imagens de livros antigos sobre astronomia. São ilustrações maravilhosas. Obras de arte, sem dúvida.

Livros e bibliotecas

Sem qualquer objectivo de originalidade, mas apenas pelo muito que gosto do tema, vou iniciar aqui no blog uma pequenina colecção de imagens sobre livros e bibliotecas. Começo com a Vieira da Silva e uma das suas brilhantes bibliotecas. Estão todos convidados a sugerir novas imagens!

Editado para acrescentar: ó pra ele o centésimo post do Companhia!

2006/08/16

António no outro lado do mundo - Malachy Doyle

É um livro engraçado, com umas excelentes ilustrações. A história não tem o mesmo nível das ilustrações mas apenas porque estas últimas são deslumbrantes.

Terapia do Amor Conjugal - Valerio Albiseti

O livro está preparado como uma reflexão e ao mesmo tempo um programa terapeutico sobre o casamento. Gostei de o ler, e penso que é muito útil para ser lido por casais que estejam a passar fases difíceis.
Este não é um qualquer livro de auto-ajuda, assente em vulgaridades e vacuidades. Com um discurso muito centrado na experiência do autor na terapia de inúmeros casais, as suas propostas não só fazem sentido como parecem ir ao essencial de uma forma muito acutilante: o desenvolvimento de competências de comunicação no casal, o valor da verdade, o crescimento comum, são pontos marcantes deste livro que podem ajudar a limar arestas e a construir melhores relações.

Vendidas - Zana Muhsen

Este livro é muito interessante, nas questões que coloca. É uma narração na primeira pessoa, da história de duas irmãs que vão parar ao Iemen.
Mais do que a brutalidade da ideia de alguém vender as próprias filhas, coloca-se aqui um problema de direitos humanos e de liberdade.
Uma visão superficial das relações entre civiliações pode levar-nos a partir do princípio que haverá entendimento mínimo em relação a determinadas matérias, que parecem adquiridas: direitos do Homem, igualdade entre sexos, liberdade.
O problema é que claramente não é assim. Será que estes valores - que nos parecem essenciais - não são superiores à "civilização" ou "maneira de viver" de um regime que não os respeite?
Que formas de pressão podem ser utilizadas nesse sentido?

Pensamentos Secretos - David Lodge

Os livros do David Lodge desenvolvem em mim uma verdadeira relação de amor-ódio.

Por um lado eu gosto imenso da sua forma de escrever:
- é um escritor informado (nota-se que os livros dele passam por uma pesquisa e uma reflexão profundas)o que vai sendo pouco habitual na maior parte dos livros e autores que para aí andam;

- é um escritor versátil quanto à forma (escreve através de diálogos, cartas, diários, guiões, narrações na terceira pessoa, etc), o que dá novas dimensões aos seus livros, na medida em que apresenta "diferentes lados" da história, vistos das perspectivas de outras tantas personagens;

- é um escritor cheio de humor, de um humor mordaz, difícil por vezes, por vezes amargo, irónico. Não são muitos os escritores sérios que sabem rir-se de si e das suas personagens. David Lodge é, a este nível um excelente cómico!

Por outro lado, parece-me que a sua visão do mundo, da religião, da sexualidade, pretendendo mostrar-se madura , é, na realidade, simplesmente distorcida. Todas as relações monogâmicas tendem a "evoluir" para o adultério, todos os crentes são velhos ou se o não são andam com dúvidas e se não andam com dúvidas é porque ainda não leu o suficiente. É um universo de relações muito áridas, muito superficiais e, ao mesmo tempo, muito insatisfeito. Não há personagens felizes nos livros do David Lodge.

Porque será?

2006/08/11

To Kill a Mockingbird - Harper Lee

Estava um pouco apreensivo, quanto ao meu inglês (e sobretudo quanto ao meu americano!) mas surpreendentemente o livro tornou-se claro como água! As primeiras páginas talvez tenham sido um pouco mais lentas, mas depois, quando embalei não conseguia despegar.

Foi um livro que gostei imenso de ler. É daqueles que entrará para a minha lista de favoritos sem a menor dúvida. Daqueles que gostava de ser lembrado por recomendar aos meus filhos.

Há três registos distintos que gostei particularmente no livro.

A crónica de costumes, onde ressalta a questão do racismo, parece uma realidade tão distante e tão antiga que quando às tantas há uma referência ao Einstein senti aquilo como um anacronismo. Depois realizei que não, não havia qualquer anacronismo: era no sec. XX que a acção se passava.

A infância e a forma como a narradora escreve desde uma mentalidade infantil. Está muitíssimo bem escrito, sob este ponto de vista. São poucos os escritores que o conseguem fazer bem. Assim de repente só me ocorre o José Mauro de Vasconcelos!

E finalmente, aquela figura parental. Impressionante a forma como educa e como se relaciona. Este tema é-me muito caro, hoje em dia, e o Atticus é uma personagem - tenta-me escrever uma personalidade - muito completa.

Gostei muito de ler este livro, Conto, mais uma vez muito obrigado.

Livro da Treta - Filipe Homem Fonseca; Eduardo Madeira; Rui Cardoso Martins

É verdade que estas não são as personagens que eu mais gosto dos actores que as encarnam - o António Feio e o José Pedro Gomes. Mas isto diz mais da qualidade destes actores que fizeram outra personagens ainda melhores - veja-se o Arte, o Último a Rir, o Jantar de Idiotas - do que propriamente deste livro. Aliás é do livro, e não das peças que eu estava a falar, não era? Mas na realidade são indissociáveis: uma pessoa lê os diálogos como se estivesse a ouvir estes dois actores.

O livro é óptimo, verdadeiramente hilariante. Altamente desaconselhado para ler em sítios públicos. Dei por mim várias vezes a não conseguir conter o riso. O que vale é que não me importo: rir é bom.

O regresso do Menino Nicolau - Sempé/Goscinny

Aqui está um livro que eu adorei. Não traz novidades, é um facto: o menino Nicolau continua igual a si próprio tal como os seus colegas de escola. Mas é exactamente assim que eu gosto deles! Foi delicioso, voltar a estas peripécias, das crianças e dos adultos! É que muitas vezes os motivos de confusão não estão nas crianças mas nos professores e encarregados ou mesmo nos pais. Neste contexto, há verdadeiras pérolas neste livro.

Fico ansioso pelo nº 2 - Eu sou o maior - que já tenho lá em casa. Estou só a espaçá-los um bocadinho - para durar mais!

Optimismo - Francesco Alberoni

Eu esperava uma monografia sobre o optimismo, saiu-me uma colecção de crónicas "morais" (?). Eu esperava uma reflexão profunda e cuidada, saiu-me um conjunto de lugares comuns que exploram assuntos tão interessantes como saber se as nossas impressões à primeira visata estão ou não correctas... para chegar à conclusão que às vezes sim, às vezes não. Os exemplos, as inferências são de uma displicência que me fazem colocar em causa não apenas o texto mas o próprio autor. Quem pensa assim neste livro, como pode ter modelos de pensamento rigorosos e racionais noutros livros?
Ao mesmo tempo tenho que dizer que os textos são assim uma mistura de calda de açucar com canja de galinha que não chega propriamente a merecer discordância. Ninguém discorda de um discurso vago, assente no senso comum. Mas para quê lê-lo? Se o livro fosse maior, tinha focado a meio. Tem essa qualidade: é pequeno.
Sinceramente, não gostei do livro e foi para mim uma enorme desilusão porque já ouvi bons comentários sobre outros livros dele, que ainda não me dei ao trabalho de ler. Mas depois deste fiquei sem muita vontade...

Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma - Irene Lisboa

Este foi daqueles livros de que sempre fui ouvindo falar, mas que nunca tinha lido. Sinceramente, não gostei. Talvez seja um documento interessante, enquanto testemunho de uma particular forma de vida, de uma mentalidade do início do século passado. Mas como livro, não me entusiasmou. Fica o título, de que gosto imenso, os contos deixaram-me esta mesma sensação: "Uma mão cheia de nada... "

O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo - Germano Almeida

Gostei da escrita escorreita do Germano de Almeida - que não conhecia. O livro é engraçado, as personagens curiosas. O final é que não me parece particularmente conseguido: o livro morre de causa natural, sem que nada se desenlace, como se tivesse acabado o papel. É pena. Mas é uma leitura agradável, sem dúvida! Fiquei com vontade de ler outros livros do mesmo autor.

2006/08/08

A Misteriosa Chama da Rainha Loana - Umberto Eco

O tema deste livro é a história de Yamo, um homem que acorda após um AVC. Quando recupera lembra-se de tudo sobre história, literatura, cinema, música, pois toda a memória semântica de Yamo está perfeita. O único problema é que não se lembra de si próprio, ou da sua família, amigos e colegas, em suma, não se lembra da sua própria história. Encorajado por sua mulher, parte ao encontro da sua vida para a casa dos seus avós, onde não voltava desde a morte dos seus país e avô. Ai no meio de brinquedos, livros de banda desenhada e discos de vinil de 78 rotações tenta reencontrar-se. Uma sucessão de acontecimentos levam Yamo a uma recaída e sofre outro AVC, mas desta vez mais forte. É durante o seu coma que se recorda de tudo e volta a reencontrar-se com a sua história, levando-nos a viver as aventuras da sua infância e a história do período da queda de Mussolini. Fazendo no meio de tudo isto, o leitor sentir um pouco da cultura dos meados da década de 40.
Eu já sabia que Umberto Eco é um dos poucos que pinta com as palavras! E esta obra é bom exemplo disso mesmo, pois as imagens que nos são descritas nada devem às gravuras do livro. Penso até que a presença das gravuras servem para reafirmar a genialidade e superioridade da escrita de Umberto Eco. De referir, que ao contrário de outros livro de Umberto Eco que eu li, este é aquele que tem a escrita menos densa, sendo portanto de mais fácil leitura.

2006/07/27

O sumiço da Santa, uma história de feitiçaria – Jorge Amado

Este livro só podia ser deste autor. Capítulos curtos, ao sambar da pena, sempre brincando, requebrando os temas, sem pressas e com muito humor. Sinceramente, este é daqueles escritores que eu invejo, pela capacidade de escrever do nada, com um encolher de ombros, deixando-nos impressões fortes, como se nada fosse.
O romance é muito divertido, por vezes sinto que perco um pouco o pé por desconhecer pessoalmente a realidade de que ele fala, a Bahia e todos os seus mitos. Ele também não explica muito, como se o mistério fosse o mais importante e mesmo assim, quase nada, quase nada, deixa para lá, entra no ritmo, dois para cá dois para lá: isso aqui é um pedacinho de Brasil, desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz ...

2006/07/21

O Senhor Ferdinand - Agnès Guldemont e Carll Cneut



Este livro em belíssimas ilustrações, não posso dizer o mesmo da história. A este nível ficamos sempre à espera de algo que se perdeu e que continua perdido ad infinitum.
Nenhuma das linguagens - nem a visual nem a verbal - me parecem adequadas para crianças.

Catarina e o urso sem rumo pelo mundo - Christiane Pieper


Este livro é um encanto. Tem ilustrações deliciosas e vale sobretudo por elas: são vivas, expressivas, interessantes! A história sofre (ou participa?) da falta de rumo da Catarina (e do urso) mas quem é que disse que todos os passeios servem para chegar a algum lugar? Era tão bom às vezes poder sair, assim, com a companhia de um urso amigo, sem rumo pelo mundo... :)

Editado para acrescentar: o meu filho, que tem 22 meses, já me anda a ensinar a ler livros. Ontem ensinou-me que este livro se pode ler com o corpo, imitando as posturas da Catarina (ele) e do Urso (eu!). Nunca tal me teria passado pela cabeça. As virtualidades de um olhar sem preconceitos!

O Confessor - Daniel Silva

este livro é um policial mediano: não traz novidades; não deixa saudades.
O enredo é bastante óbvio e o desenlace também.
A propósito da história ressaltam duas ideias, repetidas à exaustão:
a) o silêncio do Vaticano quanto ao holocausto;
b) a justificação do Estado de Israel.
Nenhuma das questões em causa é tão simples como o autor quer fazer parecer. A "desculpa" de que estamos perante um romance também não colhe: quem quer fazer um romance histórico - e não há dúvidas quanto a tais pretensões neste caso - deve ser exacto quanto aos dados que promove e às teorias que defende. Neste livro não há rigor histórico Apenas páginas e páginas de propaganda.

Talvez um dia se escreva um livro sobre o silêncio do Ocidente diante do conflito do Médio Oriente.

Se eu fosse muito alto – texto de António Mota ilustrações de André Letria

Este livro tem a enorme virtualidade de nos pôr a imaginar. Um texto muito simples – uma ou duas frases por ilustração, ilustrações curiosas, bem dispostas e fica no ar esta pergunta: se fosses muito alto, o que é que fazias?

Este é um tipo de pergunta que estimula muitíssimo a imaginação. O tipo de variações são virtualmente ilimitadas: se eu fosse muito baixo, se eu voasse, se eu fosse um animal, se eu fosse rei, se eu fosse pai, se eu fosse... e por aí adiante. Estes exercícios obrigam as crianças a uma ginástica mental óptima: chama-se imaginação. Neste caso obriga-os a colocar-se naquela situação e a imaginar como seria o mundo para elas nesse caso. Os pais até podem fazer a história ao desafio: cada um dá uma ideia do que faria ou aconteceria naquela situação.

Gostei deste livro ainda por outra coisa: é que a maior parte das coisas que o autor faria, se fosse alto, era pôr a sua altura ao serviço dos outros: compôr antenas, limpar chaminés, apanhar balões... e esta ideia é muito interessante, também, para explorar com os miúdos: o autor se tivesse aquela qualidade punha-a ao serviço. E tu? Quais são as tuas qualidades? Como é que as podes pôr ao serviço? As características de cada um podem até parecer ser defeitos e tornarem-se qualidades, se encontrarmos a sua utilidade, a forma de as pôr ao serviço. É uma questão de optimismo: se uma garrafa estiver completamente vazia, um optimista não se concentra nesse vazio mas na possibilidade de mandar com ela uma mensagem, de com ela recolher água na fonte, de todas as utilidades que ela pode trazer.

O Meu e o Teu


Este fantástico livro é para se visto de olhos bem abertos (como dizia o outro) para não deixar escapar nem um bocadinho da genialidade das ilustrações de Almud Kunert que joga com o texto de Peter Geißler às mil maravilhas.
Não é um livro vulgar, não se limita à primeira vista de olhos, é para ser visto e relido várias vezes, e, ainda assim, até encontrarmos o "Meu" e o conseguirmos distinguir do "Teu" serão necessárias muitas visitas!
Também não é um livro para os mais ortodoxos (é possível que se percam no meio de tanta liberdade criativa e de interpretação). Quanto aos outros, mais novos ou mais velhos, mais literatos ou menos, mais artísticos ou azelhas, enfim, aqueles que ainda não perderam o dom de sonhar com os olhos abertos, esses sim vão, sem dúvida deliciar-se com esta busca!
"O Teu não gosta de se deixar encontrar.
O Meu posso atar."
"O Teu sabe ler livros grandes.
O Meu, antes era pequeno"
Uma belíssima edição d'O Bichinho de Conto, a não perder.
Continuem, sempre, em boa companhia!

2006/07/18

Os Lugares de Maria - Margarida Botelho

Os lugares de Maria são maravilhosos. É um livro para crianças muito bem ilustrado que abre caixinhas mágicas com palavras diferentes feitas de números e desenhos. São caixas muito diferentes, as que se dizem e as que se vêem. As que se lêem e as que se ouvem. Muitíssimo recomendado. Todos devíamos ter caixas daquelas!

2006/07/17

Ainda nada?



"De manhã, bem cedo o Senhor Luís abriu um buraco ENORME na terra(...)"

Imaginem que plantam uma semente na terra e que têm tanta, tanta, mas tanta vontade de a ver crescer que não querem perder nem um bocadinho do seu crescimento...

Assim estava o senhor Luís, cheinho de vontade de ver a sua semente creser e virar flor! Mas de tanto esperar a sua paciência começou a faltar e a cada manhã que a ela se abeirava maior era o seu desânimo: "Ainda nada?"

Esta é uma história para ensinar a esperar que o tempo corra e com ele as mudanças aconteçam. Para miúdos e graúdos, para contar, inventar, acrescentar, brincar, enfim... ler de preferência em voz alta e bem acompanhado!

De Christian Voltz com ilustrações bem ao estilo da Kalandraka.

Comtinuem em boa Companhia!

2006/06/28

Fiz das Pernas Coração


Esta é uma antologia de Contos Tradicionais Portugueses, ‘nascidos’ da tradição oral cada vez mais adormecida nos nossos dias. Alguns destes contos fazem mesmo parte da memória de histórias contadas durante a infância do autor (José António Gomes) por ‘tias’ e outras figuras que tanta falta fazem hoje no imaginário das nossas crianças.

É um livro engraçado pela diversidade e originalidade de contos onde coabitam saudavelmente os ‘tontos’ tão comuns na nossa literatura oral, com o com as Mouras e os seus encantos. É de referir que o autor é do Algarve e a infância algarvia adivinha-se nas suas escolhas, coisa que não prejudica em nada o livro, até porque o próprio faz referência à sua terra natal.

“Na selecção dos textos, procurei contemplar diferentes tipos de narrativas, nomeadamente os contos de encantamento, as histórias de animais, as lendas e as facécias. Sendo esta última uma categoria em que a nossa tradição oral é, a meu ver, particularmente rica, optei por lhe dar algum relevo, na convicção também de que o carácter jocoso e burlesco de tais contos poderia conferir à colectânea uma tonalidade mais humorística do que é habitual em obras deste tipo.” Pág. 4

Dos contos deste livro, deixo uma refência especial para dois que, a mim, me encantaram.
“As Senhoras da Mantinha de Seda” - Pág. 27
“Conto da Pêra de Ouro” - Pág. 33


Continuem em boa companhia!

2006/06/22

Um ano em boa companhia

Este é um blog de letras e não de números mas, ainda assim aqui fica: ao final de um ano de existência (passou no último dia 14) mais de 3.200 entradas. Não está mal de todo.

Agora, ao soprar as velas, gostava de pedir mais participação, mais comentários, mais livros. Espero que seja do interesse de quem nos lê, gostava de ter maior feed-back.

Sei alguns dos erros que temos: posts muito espaçados, com uma avalanche repentina quando há tempo para isso. Vamos tentar ser mais constantes.

Para que saibam: gostámos muito de estar na vossa companhia.

Coelhinho branco - Conto popular adaptado por Xosé Ballesteros

É a história da formiga rabiga, sem tirar nem pôr. Eu gosto da história, menos das ilustrações. E pronto, pouco mais a dizer.

2006/06/21

Eu não tenho sono e não vou para a cama - Lauren Child

Uma história sobre uma menina difícil de fazer chegar à cama. Ilustrações muito ao estilo pop, não deixa contudo de ser um livro engraçado, mas sem muito sumo para espremer. Afinal, também aí bastante pop. A capa promete mais do que dá. Pop?

Carlota Barbosa, a bruxa medrosa - Layn Marlow

Um livro sobre medos e coragem. Sobre como os medos nos podem perturbar e como os momentos de decisão nos podem ajudar a ultrapassar os medos. Quero que o meu filho o leia, não faço questão que o tenha.

Onde perdeu a lua o riso? – Miriam Sanchez

Não gostei particularmente deste livro. Joga à volta do trocadilho entre o nome do astro (lua) e o de uma menina (lua), que perdeu – esta última e não aquela – o riso.
O trocadilho é um bocadinho forçado, já que lua não é propriamente um nome usual para dar às crianças e tão pouco é bem explorado ao longo do livro (não se desenvolvem paralelismos entre a menina e astro que justifiquem aquela identificação). É, apesar de tudo, um livro que fala das relações familiares, em particular entre irmãos, de uma forma agradável. Mas fica aquém daquilo que promete.

A Maior Flor do Mundo - José Saramago

Quando li alguns dos seus romances, pensei que Saramago seria um bom escritor de contos, visto que tinha boas ideias que esticava à exaustão, sem extrair delas tudo o que elas poderiam dar. Veja-se o exemplo do Ensaio sobre a Cegueira ou de Todos os Nomes. Com a Maior Flor do Mundo verifico que não é verdade. A maior flor do mundo, é um livro cansado: desenvolve-se numa estrutura circular, cansada de tanto ser usada, usa imagens cansadas, não traz nada de novo, nada de nada. Talvez a dificuldade seja escrever para crianças, talvez a dificuldade seja ser simples – que é sempre tão difícil. Se escreve contos assim, antes os romances, que dariam bons contos e deram romances sofríveis.

Histórias para contar em 1 minuto e ½ - Isabel Stilwell, com a colaboração especial de Francisco e Madalena Stilwell

Este é um livro muito inteligente. Histórias simples e curtas – como prometido – com uma lógica muito própria das crianças, mais simples, mais directa mas também menos realista do que a lógica “adulta”. Dou um exemplo: o que fazer se o pai tem um chefe de quem não gosta e o filho um professor de educação física de quem não gosta? É simples e óbvio: o professor troca de lugar com o pai e ficam todos felizes!
Ao mesmo tempo, e sempre fugindo à tentação das histórias moralistas, o livro vai resolvendo pequeninas questões: o medo do escuro, as birras á noite, não ter nada para vestir – apesar dos armários estarem cheios. É um livro a guardar perto de nós. Uma última nota: o Manual de instruções é muito interessante.
Outra nota ainda, esta já não sobre o livro: a edição é muito boa, de uma editora que eu não conhecia mas que espero que mantenha este nível de qualidade, literária e de edição.

Tio Lobo – Conto popular adaptado por Xosé Ballesteros

Este é daqueles livros inexplicáveis. Como é que uma história desta se forma? É suposto ser um conto popular... como é que uma história de tanto mau gosto não morre, já não digo à nascença mas pelo menos à terceira... vá, à quarta vez que é contada? E mais: porque é que alguém se lembra de a adaptar para um livro? É que sinceramente, uma história destas é daquelas que eu não quero que os meus filhos leiam! Pães com cimento lá dentro? Bolinhos de excremento de burro? Água de poças a saber a urina de cão? O lobo acaba a comer a menina, mas talvez isso não seja tão dramático como o medo que é inspirado pela sua ameaça... a menina vai-se deitar e não consegue dormir à espera do lobo.
Sinceramente, fiquei perplexo. Depois vi o nome da colecção e não pode deixar de rir com a ironia... chama-se livros para sonhar!

Avós – Chema Heras

Um livro delicioso, sobre uma história de amor para toda a vida. O envelhecimento e a relação amorosa. Apresentado de uma forma muito simples, muito bonita, sob a forma de uma lenga-lenga, as comparações são de uma originalidade e de uma frescura muito ternas. As ilustrações são muitíssimo cuidadas e sugestivas.
Uma história de valores sem falar de valores, que procura o essencial, que às vezes queremos esconder. Vale mesmo a pena.

Conspiração – Dan Brown

Estou a ficar francamente farto deste senhor. Não é que ele escreva mal aquilo que escreve, mas escreve sempre igual. Por isso está a tornar-se previsível, cada vez mais previsível. Comprei o Código Da Vinci, que li com gosto. Também o considero, como o Cardeal Patriarca de Lisboa, “um policial bem urdido”. Também o considero, como ele, um livro falacioso, de um ponto de vista teológico. O que me espanta é que se espere tanto de um autor que não tem qualquer autoridade nesta matéria e de um livro de ficção.
Depois li – não comprei - o Anjos e Demónios que achei burlesco. O estilo de escrita é o mesmo, o enredo é de uma proximidade exasperante, a única diferença – para muitíssimo pior está - no final, espalhafatoso, hollywoodesco, americanado.
Pura literatura de aeroporto.
A Conspiração – curiosamente lido em grande parte em Aeroportos – é fiel ao seu autor: a história é a mesma, as personagens andam muito próximas, o mau da fita é o mais óbvio, sinceramente, é tão idêntico aos outros que nem se pode dizer que decepcione.
Há dias em que me apetece comer hamburgueres. Faz sentido queixar-me de não me servirem bife da vazia? Os hamburgueres sabem sempre ao mesmo. E depois?
O que eu não estou disposto a fazer – e já não fiz com este livro – é comprar um hamburguer ao preço de um bife ou mais caro, e ainda dizer que é a melhor coisa que já comi. Não: é junk food e ponto final.
A Conspiração é literatura de plástico, feita para formato de bolso. Só é pena ser tamanho bigmac – e estou a falar da extensão do texto, não da edição, feita como se de um livro a sério se tratasse.

Casamento para um tempo novo - Antonio Vasquez

Este é mais um livro da colecção “Fazer família”. É nalguns pontos um livro bem escrito e inteligente. Noutros “tropeça” no enunciar de ideias esparsas sem as fundamentar ou delas retirar consequências. De todo o modo é um bom livro, um livro que vale a pena ler, por quem está a preparar-se ou a viver um casamento. Como sempre, poderá não se concordar com todas as ideias descritas, mas também é um facto que um livro onde se concorda com todas as ideias descritas raramente significa um apoio ou uma ajuda: torna-se demasiado complacente, conformado, conformista. Poderá até – quem sabe? – chegar a best-seller! Este livro não corre esse perigo.

Ensinar a pensar - António Jiménez Guerrero

É um assunto que me preocupa imenso, a perda de capacidade crítica que noto nas pessoas. As pessoas não aprendem a pensar, têm preguiça de pensar e caem em erros e omissões facílimas de desmontar.
Grande parte deste problema tem sem dúvida a haver com a incapacidade de compreender e se expressar em português.

Mas outra grande parte tem a ver com falta de bases lógicas e com aceitação acrítica dos argumentos, sem questionar as suas permissas de base.

Não posso dizer que concorde com cada palavra do que está escrito neste livro, mas também é um facto que ele tem muitos méritos. Desde logo, o mérito de abordar este tema, tão inusual nos dias de hoje. Também o facto de estar escrito de forma simples com variadíssimos exemplos ajuda uma fácil leitura e aquisição do seu conteúdo. Finalmente, as técnicas descritas são, na sua maioria muito úteis.

Tem também alguns defeitos: por vezes parte de um sistema algo “fechado” de abordagem das coisas e deixa algumas “promessas por cumprir”. Gostaria de ter visto mais desenvolvidos algumas questões como por exemplo a das falácias e da sua desmontagem, ou outras abordagens como a do pensamento criativo, a imaginação, a capacidade de descrição.

Quem lida diariamente com miúdos sabe até que ponto estas capacidades estão pouco estimuladas e consequentemente pouco exercitada e pouco desenvolvidas.

Outros autores falam, a este propósito em obesidade mental.

2006/06/16

A criança em ruínas


Foi pela voz de um grande contador de histórias ( Filipe Lopes ) que conheci a poesia de José Luís Peixoto e posso dizer que o “embate” foi forte. O Filipe leu o poema “na hora de pôr a mesa, éramos cinco” e eu fiquei atordoada, apertando as mãos à força das lágrimas que teimavam em espreitar (acho que não fui muito bem sucedida no disfarce...). Daí à leitura integral do livro foi “o passo de um anão”...

Posso dizer que a leitura não é simples e está longe de ligeira (o que, na minha opinião, só abona a favor do livro). Pelo contrário, é trabalhosa e requer uma grande envolvência, quase íntima, com cada palavra.

Este livro não se deixa florir com o simples gesto de folhear as páginas, é preciso tempo para ler até ouvir o ritmo certo de cada estrofe, que não se impõe, deixa-se descobrir a quem o quer encontrar. Mas não essa, afinal, a magia da verdadeira Poesia?!

É como se José Luís Peixoto quisesse ter a certeza que quem lê os seus poemas se dá ao trabalho de realmente os ‘ouvir’. O hábito de ler silenciosamente é razoavelmente recente e no caso deste livro, e porque não dizer em todos (ou pelo menos quase todos) essa modernidade fez perder parte do encanto do texto escrito. Dá muito mais trabalho e é muito mais difícil ouvir palavras ditas de lábios cerrados...

Como sempre, tive de lutar com a minha dificuldade em escolher uma pequena amostra “Como isolar um sabor de um bolo de várias camadas feito?” A escolha inicial era o poema que já referi, mas essa por tão óbvia peca pela facilidade. Assim deixo aqui este raminho de cheiros para aguçar o apetite.

“ainda que tu estejas aí e tu estejas aí e
eu esteja aqui estaremos sempre no
mesmo sítio se fecharmos os olhos
serás sempre tu e tu que me ensinarás
a nadar seremos sempre nós sob
o sol morno de julho e o véu ténue
do nosso silêncio será sempre o
teu e o teu e o meu sorrizo a cair (...)” Pág. 14
Continuem em "boa Companhia"!

2006/06/01

O Fio Da Navalha - Somerset Maugham

Laurence Darrel é um combatente da primeira guerra mundial que viu morrer o seu melhor amigo por ele. Este choque provocou em Larry o desejo de compreender o sentido da vida e partir da vida confortável que o conformismo lhe oferecia. Desfaz o noivado com Isabel e parte por esse mundo fora. Na busca do seu objectivo começa por frequentar obsessivamente bibliotecas, vive num mosteiro, trabalha numa mina de carvão, trabalha como lavrador à jorna e chega até a viver na Índia como eremita onde atinge a "iluminação".
Os outros personagens representam os outros contrastes do mundo, desde aqueles que consideram a cultura uma posse exclusiva de uma elite estanque, em que ser culto é uma condição que se deve ao “status” e não por ter conhecimentos, considerando todos fora da sua esfera como pobres analfabetos. Até aqueles que buscam a autodestruição devido às agruras que a vida lhes ofereceu. Maugham expõem aqui toda a mesquinhez e futilidade de um “jet-set” do inicio do século XX, cujo sofrimento é banal e insignificante face a quem realmente sofre e que também por isso, caminhava a passos largos para a decadência, numa América do Norte e Europa em constante mudança e instabilidade.
Numa visão mais ampla este livro é um confronto de um mundo velho contra aquilo em que se transforma, um instável mundo novo que busca novos caminhos em diferentes direcções. Partindo desde o fim do primeiro conflito mundial e os “loucos anos vinte”, passando pela crise de 29 e chegando até aos meados da década de 30 do século XX.
O autor Somerset Maugham é um dos personagens que estabelece a ponte entre todos os outros personagens numa escrita fantástica, que nada deixa ao acaso. Brinca com todos os pormenores, mas sem fazer descrições maçadoras, conseguindo fazer com que o leitor sinta todos os ambientes descritos no livro, que acaba por se tornar numa agradável companhia.

2006/05/31

A Invenção do Dia Claro - Almada Negreiros


O meu maior problema com este comentário é lutar contra a vontade emergente de transcrever na totalidade os textos de Almada sem deixar uma só palavra de fora. Isto porque o livro é um todo formado por III Partes seguidas pelas "Démarches para a Invenção" e acompanhadas por "Confidencias mais Intimidades Geraes" que, se tiradas do seu contexto perdem não só em significado, como em termos rítmicos e até metafóricos. Além disso, a minha vontade era mesmo partilhar com todos o prazer imenso que retiro desta leitura!
Assim, e na impossibilidade de vos deixar aqui a imensidão poética deste 'dia claro', derramo apenas um pouco do muito que nos dá a beber Almada Negreiros, apenas o necessário para humedecer os lábios de vontade de ler o todo desta belíssima edição fac-similada do "primeiro milhar" impresso "aos trinta dias do mez de novembro de mil novecentos e vinte e um, nas Oficinas da Sociedade Nacional de Tipografia".
"Entrei numa livraria. Puz-me a contar os livros que ha para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.
Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido."
Pág. 11 (O Livro)
" O preço de uma pessôa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das pessôas . As palavras dançam nos olhos das pessôas conforme o palco dos olhos de cada um."
Pág. 19 (As Palvras)
" Quando copiei pela ultima vez a Invenção do Dia Claro, sobejou uma frase que não me recordo a que alturas pertence. A frase é esta:
Ha systemas para todas as coisas que nos ajudam a saber amar, só não ha systemas para saber amar!"
Pág. 44 (Uma frase que sobejou)
Para finalizar, que o dia já vai alto, gostava muito de deixar mais um cheirinho, o magnífico texto "A Verdade" (Pág. 45) mas como é extenso (e antes que acabe mesmo por copiar todo o livro) terei de me ficar pela menção da sua genialidade!
Continuem em boa companhia!

2006/05/18

Se Numa Noite de Inverno Um Viajante - Italo Calvino



É um livro diferente de todos os livros que li até agora. Entra-nos pelas folhas fora (sim é mesmo isso que quero dizer) sem pedir licença e trata-nos por tu.
"Estás a comecer a ler o novo romance Se numa noite de Inverno um Viajante de Italo Calvino. Descontrai. Recolhe-te." (Pág.7)
Depois envolve-nos numa teia de histórias, personagens, lugares, cheiros, sabores e, enquanto se vai perdendo neste enredo de enredos (o que acaba mesmo por acontecer) começam a adivinhar-se os verdadeiros personagens - O Livro, A Editora, e por último o leitor e a leitora. E, embora a certa altura seja inevitavel que uma certa frustração nos comece a afastar a vontade de continuar a ler, vale a pena mantermo-nos fieis e ficarmos até ao fim.
"Ler (...) é sempre isto: há uma coisa que ali está, uma coisa feita de escrita, um objecto sólido, material, que não se pode alterar, e através dessa coisa comparamo-nos com outra coisa qualquer que faz parte do mundo imaterial, invisível, porque é só pensável, imaginável, ou porque existiu e já não existe (...) ou que não está presente porque ainda não existe (...) ler é ir ao encontro de qualquer coisa que está para ser e que ainda ninguém sabe o que será..." (pág. 63)
Fiquem em boa companhia!

2006/05/15

Un papá a la medida - Davide Calí


















Esta é a história de uma mamã estupenda e da procura de um papá que esteja à altura das suas qualidades...

Essa busca começa com um anúncio nos Classificados que (caso estivesse traduzido em Português) diria o seguinte:

"Procura-se Papá tão estupendo como a Mamã, quem não tiver as qualidades necessárias escusa de aparecer"

É um livro delicioso, daqueles que se lêm com todos os sentidos! É daqueles que pede para ser contado com o livro bem pertinho para que quem ouve se possa maravilhar com as belíssimas ilustrações de Anna Laura Cantone.

Continuem em Boa Companhia!



Canto de Mim Mesmo - Walt Whitman

Gostei, não posso dizer que tenha delirado. Tem momentos francamente bons.

De alguma forma tenho que admitir: é uma realidade que sinto alheia.

2006/05/10

Eu não fui - Christian Voltz

Este livro é daquelas histórias em cadeia que explica em poucos minutos porque é que tudo está ligado a tudo, dando um exemplo.
A história é simples, as ilustrações são deliciosas... aconselho vivamente!

O Circo da Lua - André Gago

Este livro é muito interessante, não apenas pelas ilustrações, que são muito boas, mas sobretudo por uma história que mostra como podemos escolher o melhor ao pior desde que saibamos construí-lo. Diz-nos a análise SWOT que todas as ameaças são oportunidades. Há pouco tempo lia que as pessoas a quem tudo corre bem são as que conseguem aproveitar melhor as circunstâncias. Este livro diz isso mesmo, com imagens e mensagens adaptadas à idade a que se destina. Não gostei muito da parte do lobo. Paciência. Mas vale a pena lê-lo!

Estorvo - Chico Buarque

Esperava mais e melhor, confesso. É um artista bem mais completo quando compõe.

O pai no tecto - Maria Teresa Maia Gonzales

O livro está muito engraçado e o tema diz-me muito. A autora faz um truque que resulta muito bem: começar por explicar que o Tito não é um miúdo vulgar. Isto permite-lhe uma série de liberdades que de outra forma se tornariam fantasiosas. De resto está muito bem escrito, muito acessível, ou não fosse este um livro "infanto-juvenil". É daqueles que faço questão que conste da estante dos meus filhos. Um pormenor técnico, em particular: a autora domina muito bem os diálogos!

2006/05/04

The Melancholy Death of Oyster Boy & Other Stories - Tim Burton

Já tenho este comentário 'pensado' há algum tempo, mas deparo-me sempre com uma dúvida existencial incontornável:

-Como explicar o que sinto sobre este livro?!

Para mim este pequeníssimo livro é genial embora de uma crueldade mordaz, é fantástico (em toda a amplitude da palavra) embora não deixe de ser bizarro, posso mesmo dizer que chega a ser mórbido sem, contudo, deixar de ser simplesmente lindo...

Mas esta é a minha opinião ou melhor, esta é provavelmente a opinião de todos os que se identificam com o imaginário do homem que criou filmes, como por exemplo, Big Fish, Eduardo Mãos de Tesoura, O Estranho de Mundo de Jack ou A Noiva Cadáver...

E os outros, o que acharão os outros (aquelas pessoas estranhíssimas que não estão dentro da órbita deste planeta fantástico povoado por seres estranhos e onde a maldade é vizinha do acaso, que por sua vez é irmão da beleza...)?!

Bem, na verdade, a opinião desses é-me indiferente...

Fiquem em boa companhia!

2006/05/03

Grávida no Coração - Paula Pinto da Silva


Publicado pela Campo das Letras, este livro vai directo ao assunto: de que massa se faz a maternidade e a paternidade. A leitura do livro é muito rápida, o texto sintético, organizado em pequenos diálogos mãe/filho. Aconselho vivamente. A mim tocou-me muito. A outros não, pelos vistos. Concedo que as ideias não são novas: são provavelmente tão velhas como a maternidade e a paternidade mas - que querem? - é exactamente assim que eu me sinto - grávido no coração - em relação a todos aqueles que assumi como filhos.

2006/04/26

José Afonso - Textos e Canções

Esta é uma referência que não poderia deixar de fazer. Com ela festejo Abril e a liberdade de ler, publicar ou tão pouco comentar.

É uma compilação da obra poética de José Afonso organizada cronologicamente (por Elfriede Engelmayer) que nos presenteia, não só com os poemas que nos povoam o imaginário colectivo das Canções de Intervenção, mas com tantos outros textos/poemas 'não musicados' e, por isso desconhecidos.

A leitura destes últimos, permite um olhar muito mais profundo, mais íntimo e a descoberta do poeta para além do cantor.
"A possibilidade de acesso à obra de um artista é a condição «material» para que elenos seja presente(...)" (Nota Prévia - Pág. 8)

Aqui deixo um cheirinho (de alecrim) :

A palavra gatinha
Sem nada por cima
A palavra rompe
investe
perfura
Comprida a palavra perde-se
Em redor da mesa reveste-se e organiza-se

A palavra precisa de ternura

(A Palavra - Pág. 151)

***** ***** ***** *****

Nefretite não tinha papeira
Tuthankamon apetite
Já minha avó me dizia
Olha que a sopa arrefece

Nos funerais de antanho
As capicuas gritavam
E às escuras na cozinha
Já as galinhas dormiam

Manolo era o rei do fandango
Do fandaguilho picado
Maria se fores ao baile
Leva o casaco castanho

O rei João era dos tesos
Chamavam-lhe João dos Quintos
Lá na terra brasileira
Vinham quintais de Ouro Preto

Em suma a soma interessava
A quem interessa algum dia
De lingotes e pimentas
Ainda vamos ao fundo

Lá para o reino da Arábia
Havia amêndoas aos centos
Que grande rebaldaria
E a Palestina às escuras

Os Sheikes israelitas
Já que estou com a mão na massa
Lembram-me os Sheikes das fitas
Que dão porrada a quem passa
(Nefretite não tinha papeira - Venham mais cinco- Pág. 242)

Fiquem em boa companhia!

2006/04/20

Quando Nietzsche chorou - Irvin D. Yalom


Há muito que dizer sobre este livro e o seu escritor Irvin D.Yalom, que eu desconhecia em completo. Tentarei ser concisa (coisa que me é difícil) e não estragar futuras leituras...

Começo por dizer que a leitura se torna, eventualmente, mais estimulante para quem já se encontrou com Nietzche e, em algum ponto da sua vida, teve o tempo e a vontade necessários para conhecer o Super-Homem e o Zaratustra. Mas, por outro lado, quem os desconhece ficará, por ventura, com vontade de os procurar.

Adorei a discussão filosófica transversal a todo o livro, que desvenda aos poucos o estranho, cruel e áspero Nietzche "É preciso ter caos e frenesim dentro de si para dar à luz uma estrela dançarina." (Pág.191)
Eu diria mesmo que é este o ponto alto do livro, a dialéctica entre o homem que matou Deus e leva esse peso às costas e o homem comum (que "tem mulher e filho e tralha e tal") com as questões e dúvidas existenciais comuns dos homens de quarenta anos. E essa discussão é feita, magistralmente, mantendo a força dos monólogos intercalados nos diálogos, dando-nos a possibilidade de 'ouvir' cada interveniente sem perder o seu diálogo interior.

Claro que a rota final do livro é uma verdadeira montanha-russa de emoções, mas quanto a mim acaba por pecar um pouco pelo simplismo com que é dada a volta final.

Pareceu-me que a questão da 'descoberta de um tratamento para o desespero através da conversa’ e a participação de um tal aspirante a médico de nome Freud funcionam mais como estandartes publicitários para o romance do que propriamente parte integrante da acção.

A abordagem das relações humanas, como a amizade, o amor e a sexualidade baseadas numa relação de poder dominante/dominado; a solidão e a capacidade de viver em sociedade sem nos deixarmos 'levar ou afogar' por ela são, para mim, as verdadeiras pérolas deste livro.

Fiquem em 'boa companhia'!

Adeus às Armas


Um excelente retrato de duas vidas por trás da primeira guerra mundial. Há quem diga que este livro foi inspirado na própria vida de Hemingway e na sua passagem pela primeira grande guerra, eu pessoalmente acredito que sim, especialmente devido à forte carga de sentimentos transmitida, em especial nas últimas linhas da obra. Confesso que inicialmente achei que a obra era um quanto tanto fraca, achava especialmente que os diálogos iniciais eram fracos e repetitivos, mas à medida que vamos avançando o interesse vai aumentando e compreendemos que os diálogos não são fracos, são apenas aquilo que têm que ser, incisivos e densos.
Devo também dizer que achei estranho o facto de ao ler este livro ir encontrando umas certas semelhanças com outra obra comentada neste blog. Uma obra que gostei bastante, mas que depois de ler o “Adeus às Armas” senti uma certa desilusão, porque me pareceu que José Rodrigues dos Santos mostra um profundo conhecimento da obra de Hemingway, ou pelo menos desta obra de Hemingway
Mas deixo para os nossos leitores a curiosidade e o juízo. Termino dizendo que esta foi a 3ª obra de Hemingway que li e que até agora gostei de todas. Como as anteriores “Adeus às Armas” vale a pena.

2006/04/18

Ish - Peter Reynolds


Bem, esta é a primeira vez que faço companhia às letras (ou será, tenho a companhia das letras?!) e por isso estou um tanto perdida sem saber bem que letras escolher para acompanhar as que por aqui costumam passar...

Assim, escolhi a companhia de um livro que me mostrou que não devemos ter medo de tentar, de avançar, de nos mostrar. Se isto não for bem um Post, será certamente um "quase-post"!


Em espanhol chama-se 'Cuasi', em português seria (caso estivesse traduzido) 'Quase' e é a história de um menino que adora desenhar mas que um dia, provocado pelo gozo do seu irmão mais velho, percebe que não consegue desenhar as coisas como elas realmente são e decide pousar o lápis. Até que a sua irmã mais nova...

É um livro aparentemente infantil (como quase todos os que assim são classificados), mas que leva uma mensagem que toca a todos. Não tem muitas letras, é certo, é óptimo para contar (ou ler) eu diria mesmo que é daquelas histórias - sucesso garantido.

Obrigada pelo convite e fiquem em boa companhia!

2006/04/04

Gaveta das nuvens - José Gomes Ferreira

Leitura muitíssimo agradável, mostra bem a enorme cultura deste autor. É verdade que este livro não é tão fácil quanto a sua ficção. Porém, é aqui que se percebe o quanto não está escrito nas entrelinhas das suas linhas! É assim que se percebe com quantas leituras se faz um escritor! Gostei muito deste livro. O autor está inteirinho lá, e eu gosto muito deste autor.

Harry Potter e o Príncipe Mestiço - J.K.Rowning

É impressão minha ou os Harry Potter estão a melhorar cada vez mais? Que bom haver leituras assim, que não exigem demasiado de nós e das quais nós não exigimos demasiado, mas que até nos prendem e são divertidas!

O Lado Negro da Internet - Ivo Dias de Sousa

O livro lê-se muito bem. A letra é grande, como eu gosto neste tipo de livros, o discurso é muito arrumado, ao que ajudam os esquemas no final de cada capítulo. Tem algumas ideias interessantes, ainda que muitas vezes eleja o óbvio, o senso comum, a discurso quase científico. Não gostei muito dos comentários finais de cada capítulo, não pelo seu conteúdo mas talvez porque já não houvesse muito mais para dizer (nalguns casos talvez nunca tenha havido).

De todo o modo, gostei de ter lido este livro. Ajudou-me a criticar algumas coisas, a ver a evolução histórica de outras, a pensar outras ainda. É particularmente interessante ver que, efectivamente, as maiores "ameaças" da net são também as suas oportunidades mais emergentes.

DOIDÃO - José Mauro de Vasconcelos

Talvez a minha leitura tenha sido afectada por não ter lido o livro de uma penada, apesar de ele ser pequenino. Mas já houve histórias do JMV que me tocaram mais.

Em abono do livro algumas notas: a personagem central é muito bonita, grande, não se contém no espaço nem no tempo da narrativa. Os barcos, a geografia, a falta de laços dão-lhe uma dimensão especial. As temáticas do namoro e da relação com o pai, como sempre, abordadas com uma enorme ternura. Finalmente, notar que este livro não é sentimentalista.

Valeu muito a pena tê-lo lido. Veio confirmar o óbvio: o enorme escritor que é o JMV.

Intensidade - Dean Koontz

Gostei muitíssimo de ler este livro. Recomendo-o vivamente.

Não é um policial, uma vez que não há qualquer mistério a resolver, não se pode dizer que tenha muitas surpresas, porque tudo parece desenrolar-se naturalmente, ligeira excepção aos veados da história, que eram dispensáveis.
Ainda assim a tensão é constante, vibrante, crescente.

Intenso.

Gostei muito, fiquei com vontade de conhecer melhor este autor.

Conselhos do Coração - Dalai Lama

Este livro não me trouxe grandes novidades.

Gostei muito da maneira como está escrito, por ser uma forma simples, divertida, leve de falar com rigor da vida de cada um.
Penso que a Igreja, em especial a Igreja Católica tem muito a aprender com esta forma simples de escrever. É óbvio que não é um texto para iniciados. É um texto dirigido a "leigos e gentios". É um texto muito inteligente.

E = mc2 - A Biografia da Equação mais Famosa do Mundo - David Bodanis

Este livro é excepcional.
Excepcional por ser um livro de ciência acessível a qualquer leigo.
Excepcional por conseguir colocar os cientistas como parte da própria ciência.
Excepcional por fazer parecer trivial, óbvias, as maiores descobertas científicas da humanidade.

Fiquei várias vezes a pensar "mas como é que eles não pensaram nisto antes"?

Fiquei no entanto com algumas dúvidas e curiosidades. Mas sei que as limitações são minhas. Para ir além disto, eu teria de ter outros conhecimentos, muitos mais conhecimentos.

Por exemplo, a questão da velocidade: ainda não percebi muito bem porque é que temos este limite de velocidade: a da luz.
Por exemplo, a transformação da energia em massa, parece muito para além daquilo que efectivamente consigo imaginar. (Curiosamente o contrário, a transformação da massa em energia, já me é relativamente fácil de aceitar)
Por exemplo, os efeitos da velocidade sobre os passageiros e os elementos estáticos fora do veículo...

É o costume... quando percebemos um pouco mais temos muito mais perguntas!!!!

Paraíso na Outra Esquina - Mario Vargas Llosa

Este não é um dos livros do MVL de que mais gostei. Está bem escrito, é uma boa recolha, as duas figuras principais são interessantes. Mas... os capítulos tornam-se um pouco repetitivos, a história do Paul Gaugin foi uma completa decepção para mim e falta talvez uma certa unidade à obra. De facto, é difícil encontrar palavras-chave que justifiquem a divisão dos capítulos. A estrutura do livro é muito simples, A-B-A-B-A-B, que depois se divide em A-A' E B-B'-B''. Ou seja Flora - Paul que depois se distingue Flora actual - Flora anterior e Paul actual, Paul anterior, um quadro de Paul.

Foi interessante de ler. Apreciei sobretudo a descrição do trabalho na época de Flora. Gostaria de ter visto as suas histórias um pouco mais entrelaçadas, penso que isso não seria difícil, apoiado em ideias chave para cada binómio A-B.

O travo mais amargo do livro é, sem dúvida a vida do Paul Gaugin. Pintor brilhante, esse tipo era um completo idiota, irresponsável, criminoso. Que pena ter lido o livro, estragou-mo um pouquinho dos quadros.

Origens - Amin Maalouf

Gostei muito deste livro. Deixou-me a pensar nos meus e nas suas histórias, naquelas que eu já deixei perder e nas que ainda posso recuperar.
Gostei também do Médio Oriente que podia ter sido, de que o autor quer falar, ao referir-se ao seu avô.
Tive pena que a história se cingisse a um homem - ou melhor a uma geração. Esperava, pelo início, que o autor tivesse ido além, procurasse outras gerações, deixasse um retrato de família mais completo.
Gostei particularmente da história cubana da família e da sua visita a essa história.

O início fez-me pensar um pouco nas histórias de família que deixamos entregues à erosão da "tradição oral". Restam-me dois avós e é tanto que eu desconheço das minhas origens. Tantas histórias que ouço, ainda hoje pela primeira vez. Tantas que eu ouço e relembro sem que verdadeiramente as conhecesse...! Há que aproveitar as vozes dos vivos enquanto as podemos ouvir. Depois apenas restarão as vozes dos mortos, e nem todos temos uma mala de arquivo familiar escrupulosamente desarrumado!

Pequeno Formato - Eugénio de Andrade

Não, não me encheu as medidas. Não é que eu ache que os poemas tenham que ser grandes. Não têm. Mas é que estes poemas são esboços de algumas ideias que EA desenvolveu com muito maior brilhantismo noutros poemas. Por isso, estes poemas sabem a pouco, falta-lhes qualquer coisa, para se ouvir inteira a voz do poeta. Parecem ecos, breves e ligeiramente distorcidos. Este livro é uma boa demonstração de como é difícil escrever um bom poema, se o confrontarmos com alguns outros poemas de EA.

Vendedor de Passados - José Eduardo Agualusa

Este livro parte de uma proposição muito interessante. As suas personagens são muito cuidadosamente pensadas e a ideia de uma nação sem passado, onde o passado é construído é, de facto curiosa. O final fica áquem do resto do livro, mas apenas porque não consegue atingir a excelencia. O melhor que eu li do Agualusa, sem dúvida.

Deus das Formigas Deus das Estrelas - Remy Chauvin

Agradabilíssima leitura! Um livro de divulgação científica interessantíssimo, recheado de pequenas maravilhas do nosso mundo.
Muito interessante a sua forma de chegar a Deus.
Embora nunca o tenha lido completamente, este livro fez-me lembrar o Universo Inteligente, de Fred Hoyle. Será certamente uma das minhas leituras seguintes, e fica desde já disponível (logo que eu o encontre) para quem queira completar este livro com aquele Universo Inteligente.

Vinho Mágico - Joanne Harris

A ideia é engraçada, o desenvolvimento é mediano... porque será que fiquei sempre, durante todo o livro com a sensação de que faltava qualquer coisa, uma leve sensação de que aquela ideia não era nova e que a forma como era recontada (ou requentada?) não demonstrava qualquer brilhantismo? De todo o modo, não posso dizer que tenha sido uma perda de tempo... soube a pouco, só isso. Não posso dizer que me desiludiu, porque não estava à espera de muito mais.

Historia dos Açores - Visão Geral (secs xv a xix) - Luís Mendonça

Uma visão geral, como o próprio autor indica, pouco aprofundada e por vezes algo tendenciosa.

Ajudou-me a fazer um apanhado geral da história dos Açores, mas não é um livro que eu possa recomendar. Demasiado miserabilista, fica-se sempre com a ideia de que os Açores se desenvolveram apesar da sua classe dirigente e contra ela - o que me parece um disparate completo.

Uma Cana de Pesca para o meu Avô - Gao Xingjian

Gostei deste livro, embora de forma desigual. O livro é constituído por contos, os quais apresentam técnicas de escrita muito desiguais. Em especial gostei do Acidente e também (menos) da Caimbra. Alguns são ainda muito difíceis para mim (Instantâneos).

Na Noite do Ventre, o Diamante - Moacir Sclair

Que agradável surpresa! O escritor é novo para mim. Gostei muito da forma como a narrativa se vai desenvolvendo, das histórias por trás da história. Fiquei a saber uma série de curiosidades, como por exemplo a profissão de Spinosa ou a origem da palávra Túlipa.

Não gostei particularmente do fim, embora admita que não deixa de ser um final curioso.

Gostei muito, também, da ideia da editora: um livro para cada dedo da mão. Gostava de ler os restantes dedos, confesso.

Crimes exemplares - Max Aub

Não gosto da Antígona. São raros os livros desta editora que eu possa dizer que me interessem.
Este livro, confirmando inteiramente a regra, não deixa porém de ser a excepção. A descrição crua de diversos crimes, agresssões, homicídios, confere-lhe características de agressividade muito forte, de uma forma absolutamente gratuita.
Porém há que dizer duas coisas em seu favor: em primeiro lugar, que este livro é um documento interessante, que nos mostra o quanto a vida é efémera (e todos aschamos de uma forma ou de outra que ela dura a eternidade dos nossos dias). Em segundo lugar, que a escrita que os testemunhos são muito intensos. Breves trechos muito impressivos - ou não fosse o facto de cada um deles significar um homicídio. Impressionam sobretudo aqueles relatos em que claramente não houve premeditação. Houve alguém que teve um "momentary lapse of reason".

O pior é termos a sensação que podia acontecer a todos, estar de qualquer dos lados: dos que morrem e dos que matam.

Uma história suja - Luís Sepúlveda

Em primeiro lugar, este livro não é o que parece: publicados ou não, estes textos têm estruturas de crónicas, estão marcados pelo contexto cronológico em que foram feitos e têm destinatários directos, ainda que indeterminados. Isto para mim foi uma primeira nota de desencanto: esperava um livro heterogéneo, com apontamentos diversos, pensamentos, contos, esboços, aquilo que a contracapa promete. Na realidade encontro um apanhado de crónicas, cuja estrutura é , em grande parte muito semelhante, cujas imagens são em grande parte muito semelhantes, até as piadas e as comparações se repetem.

Diz a contracapa que "LS não é um escritor neutro". Obviamente tem razão.

Independentemente de se concordar ou não com algumas das referências, críticas e opiniões do autor, fica claro que essas críticas são feitas com apelo à paixão muito mais do que à razão, ao sentimento muito mais do que ao argumento, ao fait divers muito mais do que ao facto.

LS não é um escritor neutro e as suas opiniões perdem força por causa disso. E não mereciam, muitas delas não mereciam perder força pela falta de lucidez, pela parcialidade com que estão formuladas.

Gostei particularmente das crónicas "Desculpe, D. Miguel", "As palavras e a razão" "O enigma das percentagens e dos pontos" e "Acerca da Luz"

Diário - Sebastião da Gama

Gostei muito de ler este livro. Sebastião da Gma era claramente uma pessoa especial, diferente. A forma como organizava as suas aulas faria com que os seus alunos se interessassem mais, dessem mais de si.Tenho dúvidas se algumas das suas estratégias, dos seus apelos, funcionariam com os miúdos de hoje. Penso que havia alguns conceitos sub-entendidos à relação professor-aluno, à forma como os alunos entendiam a escola, que se poderam ter degradado entretanto.

De todo o modo, penso que há muito de bom a retirar deste livro. Para falar a verdade, gostei tanto dele que quero que um dia destes faça parte da minha biblioteca pessoal.

O país do Carnaval*Cacau*Suor

Este livro recolhe alguns dos primeiros contos de Jorge Amado. Excelente exemplo de uma escrita marcada pelo neo-realismo quase panfletário, não deixa por isso de ser um livro muitíssimo interessante na forma como revela um construtor de personagens excelentes. Gostei em particular de Suor, pelas suas múltiplas personagens, a quem o autor não chega por vezes a dedicar uma página. É impressionante como, ainda assim, as mostra vivas, complexas, interessantes. Grande escritor, este Jorge Amado, num livro que não é tão grande como ele.

A descrição de uma luta - Franz Kafka

Eu gosto muito deste autor, mas não posso dizer que este livro me tenha enchido as medidas. Em minha opinião, este é daqueles livros que nunca deveria ter sido publicado, porque não estava pronto para isso. Mais: a sê-lo, deveria sempre ser acompanhado de um ensaio crítico que ajudasse à leitura do mesmo. É demasiado denso, com muitas pontas perdidas. Deixo uma palavra-chave, que me acompanhou, de forma imperfeita, ao longo do livro: sexualidade.

Gostava sinceramente de poder ler comentários de quem já o tenha lido.

Jaime Bunda, Agente Secreto - Pepetela

Livro bem-disposto e engraçado, faz um retrato muito interessante da sociedade angolana.

Não se pode dizer que o policial seja muito interessante, mas afinal, ele é só um pretexto.
Depois seguem-se dois registos, mais profundos, por esta ordem.

A paródia aos policiais encarnada - e bastante encarnada - em Jaime Bunda, o anti-herói.

A sociedade angolana, a viver em paralelo a ela própria , o Roque Santeiro, o mercado a sério, paralelo aos mercados oficiais, menos sériosm concerteza.

Gostei muito. O Pepetela já me vai habituando a isso.

2006/01/16

Terapia - David Lodge

Há várias razões pelas quais os livros me interessam: uma boa história, uma boa escrita, boa pesquisa histórica, boa mensagem.

Em David Lodge há uma razão fundamental pela qual eu o leio: o excelente humor, inteligente, tenso, denso, profundo com que ele escreve.

Além disto os livros dele juntam algo que vai sendo cada vez mais extraordinário nos tempos que correm: uma excelente cultura, com particular referência à literatura inglesa.

Neste livro ele demonstra um pouco de tudo isto. E muito mais.

O início do livro é de tal forma enfadonho (embora divertido) que estive quase a deixá-lo a meio. Precisamente no momento em que me preparava para dizer "não aguento mais" o livro faz uma enorme viragem (no final da primeira parte) e eu percebo finalmente um artifício, uma figura de estilo que até hoje desconhecia na literatura: a de escrever de tal forma que se induza no leitor o estado de alma que permita compreender o enredo.

Daí por diante o livro ganha asas: tudo o que se passa de seguida é alucinantemente interessante, e vários dias atrasámo o pequeno-almoço até aos limites do razoável para poder terminá-lo.

Brilhante.

2006/01/11

A Desgraça - J.M. Coetzee

Todos os desiquilíbrios n'A Desgraça são contidos. Tudo na sua proporção, peso e medida para não ficar grotesco ou lamechas. E no entanto mantém sempre o mesmo tom ácido, desafiante, rufia (ia dizer: que caracteriza a personagem principal, mas não é verdade - caracteriza todas as personagens, todo o livro).

Lê-se de uma penada, com gosto, com vontade de chegar ao fim. Mas o fim tem precisamente este toque ácido que acompanha todo o livro. Não se sente que desenvolva. Como se David fosse o único ponto estático.

É um livro estranho: queria que não fosse assim, mas percebo que este era, talvez o único caminho que não o desvirtuasse, que não traísse David na sua miséria autoinfligida.

A temática do morto/matado é, sem dúvida, central a este texto.

Talvez fizesse sentido falar também de castigo-perdão-misericórdia. Os castigos autoinflingidos. A forma como o perdão permite seguir em frente apesar das desgraças, construir sobre os escombros. Não falo da misericórdia. Desvendaria demasiado para quem não tenha lido. Digo só que me parece uma palavra chave deste livro, posta em sistema com as outras duas.

Ficou aquém do que eu esperava quanto ao retrato da África do Sul. Foi muto além como escritor. Que força nas personagens!

Excelente livro.

2006/01/04

A arte da guerra - Sun Tzu

Li em e-book e em inglês, sistema MReader. Gostei do sistema, porque permite ouvir o livro e acompanhá-lo no texto. Isto torna a leitura mais rápida, embora se aplique sobretudo a livros não literários, já que nos outros há que ter em atenção as pausas, as entoações, que a voz monocórdica do MR não permite. Gostei deste sistema, para livros técnicos.
A arte da guerra é um livro interessante. O problema é tentar-se extrapolar dele demasiado. É um livro de instrução militar. Qualquer extrapolação é mera coincidência ou, em alguns casos, a afloração de uma regra de prudência mais lata.
Faz lembrar o Príncipe do Maquiavel.

"Viena" e "Amsterdão" - Guias American Express

A propósito da viagem a Viena e Amsterdão duas excelentes referências no apoio a essa viagem. Os guias da AE são, como sempre, óptimos. Sobretudo quando se vai com poucos dias, eles permitem-nos dividir as cidades em partes, planear cada dia e aproveitar ao máximo os pormenores.
Porém, pela primeira vez notei algumas falhas: edifícios interessantes que não estão assinalados, percursos de eléctrico que não estão descritos e deviam estar. Estes guias (em particular o de Viena) merecia ser revisto.

A árvore dos tesouros - Henri Gougaud

Livro de contos de todo o mundo. A recolha é interessante e a leitura é fácil. Fica por fazer a leitura global da obra ou dos critérios que a ela presidiram: procurou-se a unidade dos temas? a sua diversidade? a representação de uma (de cada) particular visão do mundo?
A julgar pelas zonas do globo que conheço melhor, nada disto. E nada mais. Por isso, é um punhado de gãos de areia por sedimentar: não fazem uma praia, porque são apenas uma ínfima parte da praia, não fazem uma pedra por não terem unidade. E depois do vento da memória, o que fica?

História Secreta de uma Novela - Mário Vargas Llosa (BM)

Trata-se de uma pequena comunicação, revista para publicação, onde o autor descreve as imagens chave da sua novela A Casa Verde. O interesse é obviamente maior para aqueles que leram aquela novela (como é o meu caso) e de preferência que a leram há pouco tempo e por isso têm um memória freca das suas impressões (o que não é o meu caso).
Leitura muito agradável (e curta).