2008/10/13

Zorro - Isabel Allende

Devo começar por dizer que este foi o terceiro livro de Isabel Allende que li (tentei ler igualmente Paula, mas das duas vezes que o iniciei não consegui levar até ao fim a leitura) e penso que foi aquele de que mais gostei até hoje. No entanto, devo dizer que não me encantou totalmente. É verdade que o livro não é extremamente mau, mas também não é excepcionalmente bom. É-nos aqui oferecida uma história que não nos deixa deslumbrados e que não deixa de ser um pouco romance de cordel... As personagens são completamente estereotipadas, não faltando os bons malandros, as donzelas virgens e castas à espera de serem salvas por um qualquer príncipe encantado, os maus mesmo muito maus (que, por serem maus, só sabem fazer maldades, além de cheirarem mal) e os bons absolutamente virtuosos (que sentem escrúpulos no derramamento de sangue, mesmo enquanto lutam pela justiça).

Não faltam ainda muitas aventuras, tanto por terra, como por mar, em contacto com índios, ciganos, piratas, e todas as outras personagens que estamos habituados a ver num livro que se desenvolva na primeira metade do século XIX no Novo Mundo. Que canseira! Mas de alguma maneira Diego tinha de aprender todas as habilidades possíveis e imaginárias (desde o simples truque de ilusionismo de algibeita, até às complicadas acrobacias circenses) se desejava ser um Zorro que se prezasse...

Considerei a parte da infância de Diego bastante empolgante, mas o resto do livro (principalmente a partir do momento em que vai para Espanha) torna-se algo chato, não nos sendo nada mais que uma mera sucessão de acontecimentos, alguns interessantes, outros nem tanto, não passando de bocejos prolongados. O que é um problema para mim, já que não consigo ler na diagonal e saltar as partes mais desinteressantes de seja qual for o livro.

Enfim, permanece em mim a sensação de que Isabel Allende é um pouco sobrevalorizada enquanto escritora, mas o apelido terá sempre o seu peso. Em todo o caso, gostei deste livro por a autora se ter cingido mais ao real e não se aventurar pelo fantástico (como aconteceu n' A Cidade dos Deuses Selvagens, livro que detestei).

Não sei... Aí por volta das 7 estrelas.

2008/10/06

O Último Cabalista de Lisboa - Richard Zimler

Decidi iniciar com esta posta uma série de quatro apontamentos sobre um dos autores que tive o prazer de conhecer este ano: Richard Zimler. Uma amiga falou-me deste autor e, ao fazê-lo, deu-me a conhecer o facto de haver 4 livros que andavam à volta de diferentes ramos de uma família de judeus portugueses. Se curiosidade de ler os livros deste autor eu já tinha, esse foi o principal impulso para iniciar a "árdua" tarefa (mas muito agradável) de ler esses 4 livros de Richard Zimler. E mais do que ler, acho que os devorei! Para terem uma noção, acabei de ler O Último Cabalista de Lisboa no princípio de Agosto, dez (!) dias depois já tinha terminado o Goa ou o Guardião da Aurora e no segundo dia de Setembro já tinha despachado o Meia-Noite ou o Princípio do Mundo. A Sétima Porta acabei-a no princípio de Outubro.

Comecemos pelo princípio. Richard Zimler é um escritor norte-americano naturalizado português e radicado actualmente no Porto. Decidiu escrever sobre uma família de judeus portugueses. No entanto, não o fez de forma convencional. Imaginou vários ramos da família ao longo da História e, assim, escreveu a saga da família Zarco desde o início do século XVI até aos finais do século XX. Confusos?

A história da família Zarco começa com o livro O Último Cabalista de Lisboa, policial ambientado no século XVI que, para além de nos dar o mote para os restantes livros, relata de forma um pouco cruel (mas, por isso mesmo, realista), algo que tem sido afastado dos manuais de História: o massacre de judeus que ocorreu na capital portuguesa em 1506, incitado pelos dominicanos no Rossio. Foram mortos nesses dias de Páscoa cerca de 2000 judeus por serem os "culpados" da seca que grassava na cidade.

Esse é o ambiente, mas não o fulcral da narrativa. Berequias Zarco, jovem cristão-novo, descobre o seu tio assassinado no esconderijo da sua casa, em Alfama. Isso leva-o (a ele e a nós, felizmente, diria eu) a passear por uma Lisboa ainda agarrada à ignorância medieval numa busca incessante pelo assassino, enquanto os cristãos-velhos se vão entretendo a queimar judeus ou a decapitá-los.

O que é fantástico de ver neste relato é a capacidade incrível de um escritor norte-americano conseguir reconstruir a Lisboa da época e também os seus arrabaldes (Campolide, Benfica, Belém), mas também o facto de inventar uma história que, não sendo absolutamente verosímil, não deixa de ser interessante. É verdade que existem demasiadas personagens (o que pode confundir um pouco a leitura; a mim confundiu, pois por vezes eram resgatadas na narrativa personagens que tinham aparecido anteriormente, mas que eu já tinha esquecido), mas isso acaba por servir da melhor forma a história, tornando-a mais credível.

Este foi um dos meus livros preferidos da saga Zarco. Porque se passa em Lisboa, porque está magistralmente bem escrito (tudo na primeira pessoa, uma das formas de narrar mais difíceis de concretizar), porque agarra desde o princípio até ao fim, porque trata de um assunto sério nas entrelinhas, porque, apesar disso, consegue ter alguns momentos bastante humorísticos (veja-se o encontro de Berequias com o ferreiro de Benfica), enfim... porque sim. Gostei muito de ler este livro e, por isso, não posso deixar de recomendar a sua leitura.

9,5 estrelas

2008/09/23

Era Bom que Trocássemos umas Ideias sobre o Assunto - Mário de Carvalho

Este foi o segundo livro que li de Mário de Carvalho. O primeiro havia sido A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho. Com ambos os livros foi fantástico descobrir que a literatura portuguesa contemporânea ainda tem capacidade de nos surpreender desta forma.

Desengane-se aquele que acredita nas palavras do narrador quando afirma que quer que este livro seja "mui sisudo e composto". Antes pelo contrário, de sisudo nada tem. Dei comigo a dar valentes gargalhadas, comedidas, porém, porque me encontrava em locais públicos quando lia esta prosa bem disposta. Algumas passagens são hilariantes, como por exemplo aquela em que Eduarda não sabe o que significa 'hediondo' e 'pejorativo'.

Quanto à história em si, não vou dizer que é a mais original que li nos últimos tempos (resumindo: o reencontro de dois colegas da faculdade muitos anos após se terem conhecido, numa altura em que estão a passar por uma crise de meia-idade), mas julgo que isso acaba por provar que, mais importante que contar uma história, é a maneira como ela é contada.

De facto, surpreendeu-me muito esta maneira inovadora de narrar uma história em que, o narrador, omnisciente e omnipotente, acaba por não intervir de forma nenhuma, qual deus demasiado preguiçoso para se imiscuir das desgraças humanas, limitando-se a contar-nos a história, não se abstendo, porém, de fazer os seus comentários, mais do que irónicos e mordazes, terrivelmente cómicos. Penso que só lendo o livro é que se percebe o que quero dizer, já que não faz muito sentido transcrever para aqui parágrafos inteiros que o demonstrem.

Este não terá sido o melhor livro que li nos últimos tempos, mas foi sem dúvida aquele que me surpreendeu mais. Se eu fosse escritor, era assim que gostava de escrever. Recomendo a sua leitura, para que se fique a conhecer um tipo de humor verdadeiramente delicioso, que não necessita de recorrer ao brejeiro para nos fazer rir.

2008/07/25

A 25ª Hora, C. Virgil Gheorghiu

Este livro conta a história de Iohan Moritz, agricultor romeno que é requisitado para trabalhos forçados, como se fosse judeu - que não é. A odisseia porque ele passa é... indiscritível: prisioneiro, soldado, desertor, prisioneiro... enfim, uma odisseia que lhe é imposta por vários Estados sucessivamente, por vários domínios, por vários exércitos.
Este é um daqueles livros que não deve mesmo perder-se.
E isto por diversas razões: Não só porque está muito bem escrito, não só porque a história é interessante, mas também pelo seu valor como documento histórico e como reflexão sobre a nossa sociedade.

Com efeito, no que diz respeito ao holocausto é um documento histórico impressionante. O que mais me chocou ao longo de todo o livro, como uma nota de pedal, ao longo de toda a harmonia do livro, é que ninguém contesta que a personagem principal fosse presa se ele fosse judeu... apenas se reclama que ele não , e que consequentemente a sua prisão era uma injustiça. Note-se que este movimento conjunto das personagens nada parece ter de intencional por parte do autor, que é bastante mais explícito quanto ás contradições que quer por em evidência. Esta nota simplesmente perpassa todas as personagens e a forma como elas actuam.

Por outro lado, este livro faz uma descrição e crítica da "sociedade técnica ocidental", conceito que também define. Neste sentido, este livro é uma reflexão extraordinária, no que tem de actual. A sociedade técnica ocidental de que fala Gheorghiou é hoje em dia uma constante nos mais pequenos assuntos da nossa vida, desde as relações com as empresas até à relação com as administrações públicas, os call centers, os protocolos, médicos e não só... Não quero entrar em grandes pormenores porque não poderia fazê-lo com a competência do autor, mas quero apenas dizer que este livro é para mim um livro essencial para a compreensão da nossa sociedade.

Além disto queria ainda chamar a atenção para um pormenor: trata-se de uma tradução feita pelo Vitorino Nemésio, também ela muito interessante na forma como utiliza o português.

2008/07/07

Todos os Nomes - José Saramago

Para ser sincero, sempre gostei muito dos livros de Saramago que li, uns mais (A Jangada de Pedra, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Memorial do Convento, sendo que este está entre os 10 livros que mais gostei de ler até hoje), outros menos (História do Cerco de Lisboa) e outros assim-assim (O Ano da Morte de Ricardo Reis). No entanto, este Todos os Nomes terei de o colocar entre aqueles que gostei menos, não por ser pior que os outros, mas por uma questão de gosto pessoal.

A certa altura, diz o Sr. José (personagem principal deste livro) ao seu tecto (!) o seguinte: "Vivia em paz antes desta obsessão absurda, andar à procura de uma mulher que nem sabe que existo" (pág.158). Precisamente! Quem é que se lembra de escrever um livro sobre um homem que trabalha numa Conservatória Geral do Registo Civil e que, de repente, se sente impelido a procurar uma mulher da qual não sabe nada e, chegado ao fim, pouco fica a saber dela? Essa é a premissa do livro, a qual não achei especialmente genial, o que me fez ficar com o pé atrás à medida que ia lendo o livro.

No entanto, não se pense que só encontrei aqui aspectos negativos. De facto, houve alguns aspectos do ponto de vista literário e não só que me agradaram. Achei curioso todo o espaço físico em que a história foi ambientada, numa cidade cujo nome nunca ficamos a saber, onde existe um cemitério gigantesco e de estranha configuração e uma Conservatória Geral do Registo Civil enorme e em constante expansão. Eu diria, não sei porquê, que esta história se passa por alturas dos anos 30, talvez porque Saramago imprima esse universo às suas obras, quando não é declarada a data exacta dos acontecimentos que narra.Também não deixa de ser interessante o facto de Saramago ter conseguido escrever um livro em que a única personagem que tem efectivamente nome seja o Sr. José (penso que no Ensaio Sobre a Cegueira, livro que pretendo ler brevemente, vai ainda mais longe a absolutamente ninguém que lá surge tem nome!).

Depois achei também interessantes algumas críticas subjacentes à organização hierárquica do trabalho ("A distribuição das tarefas pelo conjunto dos funcionários satisfaz uma regra simples, a de que os elementos de uma categoria têm o dever de executar todo o trabalho que lhes seja possível, de modo a que só uma mínima parte dele tenha de passar à categoria seguinte."), à fama, à burocracia, até mesmo aos debates estéreis entre a elite cultural, a par de muitas outras e diversas considerações sobre a morte ("O que está para além da morte, nunca ninguém viu nem verá, de tantos que para lá foram, nunca nenhum voltou cá") e, mais especificamente sobre o suicídio (representado pelo pastor que o Sr. José encontra no cemitério) e de todo um pessimismo que atravessa o livro, a que Saramago de certo modo, já nos foi habituando. "(...) o que deves pensar é os pesadelos da infância nunca se realizam, muito menos se realizam os sonhos".
No entanto, isto tudo não foi suficiente para que, no geral, o livro me agradasse e o considerasse uma das melhores leituras dos últimos tempos. No fundo, esta é a história de um homem que inicia uma busca por uma mulher que nunca encontrará, para além de contar inúmeras situações e episódios completamente desnecessários e maçudos, que nada acrescentam (bons exemplos disso são o diálogo absurdo entre o Sr. José e o enfermeiro ou quando ele assalta a escola e fica lá a dormir uma noite), para além de longos parágrafos em que não abunda a pontuação.

Quero, contudo, deixar aqui a salvaguarda que considero Saramago um dos autores mais inspirados na literartura portuguesa contemporânea. É um facto que não gostei muito deste livro, mas é de salientar que o mesmo foi publicado em 1997, o ano anterior em que o autor recebeu o Prémio Nobel, pelo que inevitavelmente faz parte das obras que contribuíram para que ele o recebesse. E sem dúvida que mereceu receber o referido prémio. Ler Saramago é algo que não me cansarei de recomendar, porque vale sempre a pena, quanto mias não seja para conhecer a sua maneira de escrever, que se adora ou se detesta.

6 estrelas

2008/06/24

Inês de Portugal - João Aguiar

Como já tive oportunidade de dizer anteriormente, o primeiro livro de João Aguiar que li foi A Voz dos Deuses. Para dizer a verdade, não gostei muito desse livro, ainda para mais porque já tinha ouvido alguns elogios ao autor e até tinha uma certa curiosidade em lê-lo. Ora bem, se não tinha percebido os elogios com A Voz dos Deuses, percebi-os com a Inês de Portugal. Verdade seja dita que aquele livro foi o primeiro romance do escritor, pelo que talvez não seja representativo de toda a sua restante obra. E de facto, assim penso, pois ao contrário daquele, adorei ler este livro.

Muito bem escrito, eu arriscaria dizer que este foi um dos melhores livros que li nos últimos meses. Nos últimos tempos li dois livros que tratavam o mesmo assunto que este, mas nenhum dos dois me deixou preso até ao final para saber como iria tudo acabar. Digamos que a história de Inês e Pedro é sobejamente conhecida e que, por isso, pode deixar pouco espaço à inovação. Mas aqui isso não acontece, pois a forma como a história é narrada (Inês já está morta e apenas tomamos contacto com ela através de analepses que nos transportam ao passado) permite uma visão nova de toda a história e até mesmo das personagens. Veja-se o caso de Pedro que, como é habitual, é aqui abordado de forma bastante dramática e amargurada. Contudo, vai-se um bocadinho mais longe, na sua sede de justiça (ou será melhor dizer 'vingança'?). Mais do que justiceiro, ele é cruel e isso deve-se ao facto de lhe terem tirado a mulher que mais amava em vida. E Inês? O cálculo político também aqui está visivelmente presente, mas como não nos deixarmos enternecer por tal figura, mero peão num jogo de xadrez de alcance muito mais difícil de explicar, porque muito mais vasto que isso, do que a simples ambição de ser rainha?

9 estrelas

O Milagre Segundo Salomé, José Rodrigues Miguéis

A primeira vez que tive contacto com José Rodrigues Miguéis foi há alguns anitos, quando andava na escola secundária. O autor fora professor nessa escola lisboeta e, na comemoração de um aniversário qualquer (teria sido da sua morte ou do seu nascimento?), expuseram no átrio principal do primeio andar todos os seus livros editados. Lembro-me vagamente de o professor de Português ter recomendado a leitura de alguns dos seus livros a título individual (uma vez que não é obrigatório no programa escolar do secundário). Entre os livros expostos, encontrava-se O Milagre Segundo Salomé... O título ficou-me no ouvido. Milagre? Segundo Salomé? Escusado será dizer que fiquei curioso para saber do que se tratava, até que estreeou um filme com o mesmo nome e que lançou alguma luz sobre o tema abordado no livro: uma reinterpretação do milagre de Fátima, não remetesse o livro para os inícios dos "anos loucos".

O Milagre Segundo Salomé é um livro dividido em 2 volumes e nele encontramos vários planos (a adolescência de Severino Zambujeira, algures em finais do século XIX; os artigos de jornal de Gabriel Arcanjo; e a história de Salomé propriamente dita, desde a sua chegada a Lisboa, o bordel, o seu encontro com Zambujeira e finalmente com Gabriel, não esquecendo o "milagre"). Como se percebe, todos os planos acabam por se entrecruzar e, enquanto que a vida de Salomé se apresenta mais interessante (ainda que algo prolixa demais), a infância e os artigos de jornal de Gabriel Arcanjo parecem deslocados e algo desnecessários para a história de fundo que se pretende contar.

Enfim... Considero que este livro está muito bem escrito. No entanto, não posso dizer que este tenha sido um dos melhores livros que li até hoje. Para isso contribuiu o facto de José Rodrigues Miguéis perder muito tempo com contextualiazações históricas demasiado pormenorizadas. Se por um lado, não é desnecessária uma contextualização histórica de toda a Primeira República, por outro acho que isso acaba por tornar muito maçuda a leitura do livro, dando-se demasiada importância a factos que desmotivam para o resto da história. É igualmente pena que os nomes das personagens e dos locais não tenham sido mantidas, embora o autor tenha afirmado que esta sua obra não tinha qualquer objectivo iconoclasta

Como conclusão, o que posso dizer é que este é um daqueles livros que, na minha opinião, estão bem escritos e que trabalham uma ideia muito boa, mas não da melhor forma. O que quero dizer é que José Rodrigues Miguéis poderia ter aproveitado melhor esta ideia de "reintrepretação" das aparições de Fátima (e uma forma interessante teria sido mesmo não alterando o nome da localidade em que se deu o referido "milagre", bem como das restantes personagens).

entre as 5 e as 6 estrelas

2008/06/23

A Voz dos Deuses - João Aguiar

Ouvi falar pela primeira vez deste livro e fiquei muito curioso por causa do tema que tratava... A vida e história de Viriato. Em conversa com uma amiga minha que está a tirar um curso em que tem de ler obras de literatura portuguesa posteriores a 1974, fiquei a saber que esta era uma das leituras "obrigatórias" (não gosto nada da palavra "obrigatório" quando se refere à leitura). Como eu já andava bastante curioso em relação a este livro, as dicas que ela me foi dando acerca dele impeliram-me a ir requisitá-lo à biblioteca e mergulhar no século II a.C., altura em que a Península Ibérica estava dividida em diversas tribos e em que os romanos lutavam para as dominar.

Este livro foi o primeiro romance de João Aguiar, o que de certa maneira pode explicar a razão pela qual a msua maneira de escrever não me ter encantado muito por aí além. De facto, não achei que estivesse escrito de forma inovadora ou até mesmo interessante, do ponto de vista literário. Trata-se de uma história normalzinha, sem nada de significante a realçar: Tôngio, sacerdote do Templo de Endovélico (um dos principais locais de culto ibéricos à época a que a narrativa nos remete) conta, no fim da sua vida, a forma como nasceu, cresceu e viveu numa Península Ibérica invadida pelos romanos, na tentativa de expandirem o seu Império até ao Atlântico. Vai daí, deambula pela Península até encontrar Viriato, famosa figura de que todos nós estamos habituados a ouvir falar desde que somos pequenos e ao qual é dado o epíteto de fundador, mais mítico que histórico, da nacionalidade portuguesa (como se à época houvesse essa coisa dos nacionalismos e como se ele imaginasse que alguma vez aqui, no extremo ocidental da Península, haveria de se formar um país chamado Portugal).

Curioso é o facto de João Aguiar, logo na advertência inicial, dar conta de que o seu objectivo com esta história é retratar um Viriato não mítico, mas mais de acordo com aquilo que se pode extrair dos documentos históricos que existem e que falam desta personagem tão famosa. Ora, o que acaba por acontecer é precisamente o contrário. João Aguiar faz-nos tomar contacto com um herói romantizado que almejava ser rei de toda a Ibéria e que é simultaneamente um general exímio, um diplomata exemplar, sóbrio no que respeitava a reclamar para si os espólios de guerra, fidelíssimo à sua mulher, entre outros aspectos do seu carácter que o tornavam... perfeito.

Pois bem, o resultado final ficou um pouco aquém daquilo que eu estava à espera, mas aparentemente essa foi precisamente a razão pela qual se incluiu esta obra numa cadeira que trata de literatura portuguesa pós-1974.

7 estrelas (para ser bonzinho)

2008/06/11

Bons Augúrios - Neil Gaiman & Terry Pratchett

Como prometido há já bastante tempo, aqui fica a pseudo-crítica a mais um livro de Neil Gaiman que li em Abril passado, desta feita o Bons Augúrios, escrito a meias com outro autor de referência do fantástico, Terry Pratchett.

Ora bem, este livro não deixa de ser engraçado, como é o exemplo de atribuir a invenção da nouvelle cuisine à Fome (um dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse) aquando de uma visita a Paris. Eu incluo esse 'episódio', na primeira parte do livro (até aí cerca da página 100), o qual não seixa de ser muito divertido e com um humor negro muito refinado e simultaneamente muito bem disposto. A partir daí, o livro deixa de entreter e divertir para se tornar verdadeiramente um bocejo, salvando-se apenas as notas de rodapé (que mantêm o tom humorístico do princípio do livro) e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (figuras que demonstram verdadeira capacidade de imaginação por parte dos autores, que os souberam adaptar muito bem a esta realidade em que o Anti-Cristo está vivo entre os seres humanos). No que a essas 4 figuras respeita, há apenas que fazer uma pequena correcção: o terceiro Cavaleiro do Apocalipse (aqui representado pela Poluição, mas originalmente a Pestilência) deveria transportar consigo um arco (e não uma coroa, como aqui acontece), para ser coerente com os versículos 4-6 do Capítulo 6 do Livro do Apocalipse. Mas isso não é grave, pois como já tive oportunidade de dizer, são os únicos rasgos de criatividade nestas 300 e tal páginas.

Este não foi, sem dúvida um dos melhores livros que tive oportunidade de ler nos últimos tempos, no entanto o que eventualmente saliento nele, para além do tom bem-diposto em que está escrito e que já referi, é o facto curioso de que a abordagem ao Mal nunca se poderá fazer sem a abordagem ao Bem. Crowley um demónio? Parecia tão anjo quanto Aziráfalo!

Além disso, o livro não deixa de ser interessante também por ser, a determinadas alturas, bastante crítico e mordaz, por exemplo, para com as cadeias americanas de fast food ou até mesmo para com os seres humanos como nós, como se pode atentar na seguinte citação: "Porque o cérebro humano não está equipado para ver a Guerra, a Fome, a Poluição e a Morte, quando não querem ser vistas, e aperfeiçoou a tal ponto essa capacidade que, muitas vezes consegue manter essa cegueira mesmo quando estão por todo o lado ao seu redor".

Vale a pena ler este livro, se para ele se tiver paciência.

7 estrelas (se tantas merece)

2008/04/12

A Morte Melancólica do Rapaz Ostra & Outras Estórias - Tim Burton

Li este livro de uma assentada, claro! Escusado será dizer que gostei bastante (conhecendo já uma grande parte do trabalho cinematográfico de Tim Burton, sou aquilo a que se pode chamar um praticamente-fã do realizador). É incrível como Tim Burton consegue criar estas histórias (e não estórias como vem na capa do livro - fica a nota feita) de inadaptados que no fundo não têm culpa nenhuma de o ser. Pior mesmo só o facto de serem a maior parte das vezes rejeitados pelos próprios pais e, no fim, por todos os que os rodeiam. Nenhuma das histórias termina com um final feliz. Não há qualquer tipo de redenção e acho que é isso mesmo que diferencia o Tim Burton de todos os outros. Trata os assuntos da morte e da dor tão prosaicamente como outro qualquer autor/realizador trataria o tema do amor. É a inversão quase total dos valores que estamos acostumados a aceitar como garantidos. Aqui não há amor, há o contrário do amor, há "desamor"... Nem os pais amam os seus filhos (num dos contos, chega-se mesmo ao absurdo máximo que é o próprio pai comer o filho para se curar de um problema de impotência), desajustados do mundo sem culpa alguma ("O Rapaz Robô", "A Morte Melancólica do Rapaz Ostra", "O Rapaz Múmia", "O Bebé Âncora") nem os inadaptados amam quem os ama a eles ("A Rapariga Lixo") ou, se os amam, é um amor impossível ("Palitinho e Fosforina Apaixonados", "A Rapariga Vodu"). E há os que são simplesmente inadaptados e vivem (e/ou morrem) sozinhos e tristes ("O Rapaz Nódoa", "A Rapariga que se Transformou numa Cama", "Roy, o Rapaz Pesticida", "A Rainha das Almofadas de Alfinetes", Cabeça de Melancia", "Crispim, o Hediondo Rapaz Pinguim", "O Rapaz Torresmo"). Estranho é igualmente o facto de algumas histórias serem ambientadas na época do Natal, precisamente aquela em que supostamente estamos mais sensíveis aos actos de caridade e amor.

Nota especial também para as ilustrações que ajudam a complementar os poemas (ou será que são os poemas que complementam as ilustrações?). Muito interessante este livro.

7 estrelas

2008/04/06

A Praia - Alex Garland

Demorei mais tempo a acabar este livro do que aquele que à partida seria necessário, mas isso deveu-se ao facto de me ter deixado levar calmamente pela escrita deste Alex Garland. Convenhamos: esta não é uma grande obra-prima literária (nem pouco mais ou menos), mas está escrita de tal forma que nos deixa agarrados desde a primeira frase até à última, muito graças à quantidade incrível de acontecimentos. Por estas razões, não é de estranhar que passado tão pouco tempo após a publicação deste livro, ele tenha sido adaptado ao cinema. E percebe-se perfeitamente que foi escrito no início da década de 90, graças às referências a filmes e especialmente aos jogos de vídeo: quem não se lembra de jogar o Street Fighter, o Super Mario ou o Sonic? Além disso, é ali abordado um tema que começou a tornar-se pertinente naquela altura e que hoje sentimos cada vez mais na pele, que é o do turismo de massa (a este propósito, as observações de Richard no que respeita a ser um viajante são também muito interessantes e dignas de nota).

Infelizmente já vi o filme protagonizado pelo Leonardo DiCaprio mais de uma vez, por isso esta leitura foi sempre um bocado contaminada pelas imagens e pelo que eu já sabia que ia acontecer. No entanto, foi sempre deixado espaço à surpresa, na medida em que nem tudo foi mantido igual na transposição para o grande ecrã. Além disso, consegui perfeitamente dissociar a imagem do Leonardo ao Richard! Preferi muito mais o Richard britânico e moreno do que o americano loiro e de olhos azuis. Em todo o caso, e acho que isto só acontece porque já tinha visto o filme antes de ler o livro - caso contrário seria um feroz crítico de tamanhas liberdades - não acho que as alterações tenham desvirtuado muito a história. Bem, talvez exceptue desta observação os apontamentos românticos e sexuais que não existem na versão literária, o que não deixa de mostrar que o filme foi feito mais a pensar em encher o olho aos adolescentes com as hormonas aos saltos do que propriamente para bem da Sétima Arte.

Julgo que este livro não deva ser incluído junto daqueles que tratam sobre a intrínseca maldade humana (tal como O Deus das Moscas), como me fizeram crer quando mo aconselharam. No entanto, não deixa de surpreender um pouco a violência dos capítulos finais. A única personagem com quem simpatizei verdadeiramente foi Étienne, o mais sensato do grupo. Todos os outros me pareceram excêntricos (Unhygienix), calculistas (Sal), desinteressantes (Keaty), loucos (Richard). Estranho é também a associação que Alex Garland faz entre a Praia e a Guerra do Vietname, fazendo surgir do nada (ou melhor, da loucura de Richard) a personagem Daffy. Sinceramente, acho que não cheguei a perceber muito bem essa associação...

Quanto à ideia de viver num sítio paradisíaco longe de tudo e de todos pode ser bastante apelativa, mas não sei se gostaria de passar pela experiência. Talvez por um curto espaço de tempo fosse interessante, mas poderia tornar-se rapidamente aborrecido. Além disso, como fica ali provado, o paraíso de facto não existe.

7 estrelas

2008/03/10

Neverwhere, Na Terra do Nada - Neil Gaiman

Neil Gaiman anda nos últimos tempos na boca do mundo. É até comum referirem-se a este autor como o mais adaptado ao mundo do cinema. De facto, ele é autor de um livro que recentemente foi adaptado ao grande ecrã com Michelle Pfeiffer, Robert de Niro e Clare Danes nos principais papéis. O filme chama-se "Stardust" e tenho a certeza que já muita gente ouviu falar dele.

Deste autor, a primeira coisa que li foi Sandman (uma BD que sei que me agradou bastante, mas que teria de voltar a ler para me relembrar da história toda) já aqui há uns tempinhos. Posteriormente viria a ler também a BD 1603 - uma adaptação dos heróis da Marvel ao século XVII que faz uma grande misturada (até extra-terrestres lá aparecem), juntando o Daredevil com o Quarteto Fantástico e X-Men, não esquecendo Thor e o Capitão América, mas que não deixa de ter o seu interesse para quem gosta de comics.

Apesar de o autor ter inicaido carreira com argumentos para BD, também escreve livros (e muitos) e como tem tantas opiniões a seu favor, decidi "mergulhar" na sua obra. Vai daí, fui até à biblioteca e requisitei Coraline e a Porta Secreta (livro juvenil de que não guardo grandes memórias) e, mais tarde, o tal Stardust - O Mistério da Estrela Cadente e Neverwhere - Na Terra do Nada. Este terminei-o na semana passada.

Sinceramente, não posso dizer que não gostei dos livros. No entanto, sempre que leio um dos seus livros fico reticente quanto a afirmar categoricamente que gostei. É que não me parece que ele escreva assim muito bem. A sensação com que fico mesmo é a de que são livros escritos para crianças, talvez pelas histórias em si (o narrador é não ominisciente, pelo que nos conta tudo em tempo real, sem se adiantar com explicações ou o que quer que seja, e a personagem principal - que entra invariavelmente num mundo mágico, muito diferente do mundo normal em que anteriormente habitava - e à qual é sempre exigida uma demanda para que consiga regressar à realidade, entendida aqui como a felicidade - embora no fim acabe por descobrir que a felicidade afinal não é aquilo que desejou ao longo do livro todo - é sempre tratada pelas restantes personagens mágicas como uma criança ingénua à qual não vale a pena explicar nada). Bem, quanto ao facto de os livros serem para crianças, é melhor reformular, pois isso não será totalmente verdade... É que certas passagens chegam mesmo a ser um bocadinho violentas (orelhas cortadas, dedos partidos, mortes, etc).

De falta de imaginação não podemos acusar este Neil Gaiman. E a ela podemos perfeitamente acrescentar o seu sentido de humor (bastante sarcástico, um humor negro bastante bem conseguido), que é o que faz com que, se dúvidas houvesse, se deixe de suspeitar que o livro foi escrito para crianças.

O próximo livro que lerei do Neil Gaiman será Bons Augúrios (escrito a meias com Terry Pratchett). É que embora ainda não esteja rendido ao autor e à sua maneira de escrever, os seus livros são de fácil leitura e entretêm bastante. Quanto mais não seja, servem para descansar os neurónios de leituras mais exigentes.

entre as 6 e as 7 estrelas

2008/02/26

Os Casos do Beco das Sardinheiras - Mário de Carvalho

Este é um pequeno livro de contos cheio de humor, recheado de personagens tipicamente alfacinhas, que têm tanto de verosímil como as pequenas histórias têm de inverosímil. A mim agradam-me estas pequenas incursões pelo fantástico, mas ao mesmo tempo gosto de ver no fantástico o espelho de algo mais concreto e, às vezes, isso escapa-me neste livro. Cria-se a oportunidade mas não se segue por ela até ao fim, cria-se o esboço mas falha a imagem. Mas, claro, isso sou eu a complicar, a querer ainda melhor, mais que óptimo. E este livro não é assim. É um livro simples, com personagens simples e histórias simples. É um lindo postal ilustrado de uma Lisboa mourisca, labiríntica, cheia de becos e, claro, de sardinheiras.
Querer mais que isto, está claro, é já confundir género humano com Manuel Germano...

Inés da Minh'Alma - Isabel Allende

Este livro foi para mim o reencontro com a grande escritora da Casa dos Espíritos, do Plano Infinito, do Paula. Senti-a um pouco mais perdida, mais repetida, nos Contos de Eva Luna, no Retrato a Sépia, na Filha da Fortuna. Não gostei da trilogia juvenil que escreveu. Achei interessante o Zorro, embora não tivesse a força de escrita daqueles primeiros livros.

Este Inés é um épico e, melhor ainda, um épico biográfico. Essa noção de tangibilidade das personagens e dos acontecimentos, misturada com ambiente mágico e fantástico que é próprio desta escritora fazem deste um grande livro.
Deu-me um enorme gosto lê-lo, li-o com sofreguidão, como já há muito tempo não lia.
Não é fácil escrever assim, com este rigor e ao mesmo tempo com esta capacidade. Percebe-se claramente que há uma enorme recolha de dados por trás deste livro. A mim fez-me lembrar, precisamente pela informação histórica, a Guerra do Fim do Mundo do Vargas Llosa.

2008/02/09

Sul - Viagens, Miguel Sousa Tavares

Ultimamente tenho andado numa fase em que pouca paciência tenho para as leituras. E, além disso, não sei bem porquê, mas ultimamente só tenho conseguido ler fora de casa (transportes públicos, bancos de jardins, cafés - desde que não sejam muito barulhentos - enfim, qualquer sítio que não seja em casa). Por essas razões, recomendaram-me que lesse livros de viagens. Numa das minhas idas à biblioteca vi lá este livro de MST e como já tinha ouvido falar dele, decidi trazê-lo comigo. Chegado ao fim da sua leitura, posso tirar as seguintes conclusões:

- Trata-se de um livro algo irregular, com diversos textos interessantíssimos e outros que não são nada de extraordinário. Por exemplo, o primeiro texto (o da Amazónia), não me conseguiu prender o interesse. De tal maneira que quase pensei em ler as restantes crónicas de viagens mais na diagonal, sem dar propriamente muita atenção ao que estaria ali escrito. No entanto, os capítulos seguintes foram a pouco e pouco conquistando o meu interesse e, embora tenham continuado a surgir banalidades de estilo jornalístico ao longo do livro, os textos tornaram-se mais entusiasmantes.
- Gostei bastante dos capítulos dedicados às antigas colónias portuguesas. Arrebatou-me o texto "Goa, o sonho impossível", assim como "Um rio há-de correr em Cabo Verde" e "São Tomé e Príncipe: as ilhas maltratadas". Ficou verdadeiramente a vontade de visitar aqueles lugares que parecem tão próximos, mas que estão tão distantes. "Alhambra: os jardins de Alá" também tem o seu interesse, já os textos relativos ao Brasil e à Costa do Marfim não me encantaram.
- A principal razão pela qual não terei gostado tanto deste livro talvez tenha sido porque encontramos aqui, na sua maioria (11 textos de 12) a repescagem de reportagens publicadas na revista Grande Reportagem nos anos 90 (dirigida na altura por ele próprio). Até que ponto se se justifica a edição de um livro propositadamente para as reunir, uma vez que, com o passar do tempo, tudo isto soará (já começa a soar) antigo (da mesma maneira que uma notícia de um jornal se torna antiga)?
- O texto mais bem conseguido é, na minha opinião, o último "A pista para Tamanrasset", verdadeira viagem, mais do que ao e pelo deserto, ao íntimo dele próprio. É neste texto que conseguimos sentir o verdadeiro espírito de aventura e sentimento de desapego total (aos bens materiais e aos bens humanos) que uma viagem implica. Um espírito de aventura que, mais do que nos levar ao nosso destino, nos leva ao interior de nós mesmos. A viagem que vale mesmo a pena realizar. A viagem que se tem vontade de repetir.

7 estrelas

2008/02/03

Equador, Miguel Sousa Tavares

Li o Equador do Miguel Sousa Tavares (a edição ilustrada com postais da época) há já algum tempo e, como foi um livro de que gostei bastante, decidi vir aqui deixar a minha humilde opinião sobre o referido livro.

No geral, gostei bastante. A princípio pensava que ia demorar imenso tempo a acabá-lo, mas até nem demorei assim tanto. Julgo que terá sido porque MST acaba por escrever de uma forma, se por um lado demasiado prolixa e, porventura, descabida (ex: "dotada de atributos que o vasto decote do seu berrante vestido verde abundantemente documentava"), por outro bastante vívida e interessante.

Quanto à personagem principal, é o típico herói bem-parecido, bon-vivant, um verdadeiro gentleman, com o qual não podemos deixar de sentir empatia. No entanto, isso limita demasiado o seu desenvolvimento enquanto personagem, porque a torna plana e entediantemente previsível.

Há ainda uma série de episódios ao longo do livro, os quais, embora ajudem a enquadrar a história, são demasiado longos ou surgem após momentos-chave da narrativa, tornando-a pesada e tirando-lhe ritmo (exemplo disso são as vicissitudes do cônsul britânico ou o julgamento dos serviçais fugidos). Além disso, certos episódios são um tanto ou quanto desnecessários (a visita nocturna ao quarto da proprietárias de uma das roças) ou então previsíveis (os excessos de Ann quando estamos quase a chegar ao fim da história). Mas verdade seja dita que, por outro lado, o acontecimento derradeiro é bastante surpreendente, embora após reflexão se chegue facilmente à conclusão de que a história não podia terminar de maneira diferente... Infelizmente...

Pontos positivos: o tema abordado (resquícios de escravatura na mais pequena colónia portuguesa em África) é mesmo muito bom. Portugal, ainda que "nação civilizadora" está ali representado de forma desencantada e pessimista, verdadeiro retrato do Portugal de inicíos do século XX(I?).
O que chateia um pouquinho no livro é somente o facto de MST querer passar-se, quase à força, por Eça, quando na realidade o mestre é difícil (senão impossível) de igualar.

Em suma: gostei do que li, se bem que fiquei com a pequena sensação de que poderia ter sido melhor. Em todo o caso, não me arrependo do tempo que dispensei a este livro.

8 estrelas (ou será 9? estou indeciso)

2008/02/01

O Mesmo Mar, Amos Oz

Eu arriscaria dizer que as opiniões das pessoas que lêem este livro se poderão dividir entre: aqueles que perceberam o que leram e gostaram, aqueles que perceberam e não gostaram e aqueles que pouco perceberam e mesmo assim gostaram. Eu incluo-me neste último grupo.

Este livro é uma autêntica manta de retalhos, bocados de textos que formam um padrão quase disconexo, mas mesmo assim ligados uns aos outros pelos fios da imaginação (ou será da loucura?) deste autor israelita. Os vários planos narrativos da história intersectam-se todos, inclusive o do narrador (que é assumidamente o autor) que, de forma muito estranha, também participa na acção que ele próprio narra, interagindo com as personagens (ou melhor, as personagens interagem com ele) por ele não-criadas.Tudo é estranho neste livro: Nadia, apesar de morta, continua presente, e mantém ou manteve uma relação quase incestuosa com Rico, o qual por sua vez abandonou a namorada e partiu para o Tibete, e por quem Albert acabará por se apaixonar. Tudo está relacionado entre si, por mais absurdo (ou será surreal) que seja. É uma história que não tem princípio, nem fim, ou em que o fim não é o fim e o princípio dificilmente é o princípio. Cada um que a ler que escolha a opção que mais lhe agradar...

No fundo, gostei bastante deste livro por ser esta coisa meio esquisita, em que o que é pode não ser e em que o que não é, não será. Se eu fosse escritor, era assim que gostava de escrever.

8 estrelas

2008/01/27

O Códex 632 - José Rodrigues dos Santos

Olá caros amigos amantes das letras. Cá estou eu de novo, desta vez para falar de um livro que, com rigor, não posso dizer que li. Antes mo leram. E quem? Pois nem mais nem menos que o actor português Ricardo Carriço.

O Códex 632 foi o primeiro audiolivro que tive oportunidade de escutar e como gostei bastante da história, não resisti a vir aqui deixar uma breve opinião sobre ele. Para começar, há que salientar que apesar de à primeira vista parecer, este livro não é bem como os do Dan Brown. Sim, é verdade que a personagem principal é um professor universitário. E sim, é verdade que é um especialista em criptografia. E também é verdade que é tratado aqui um tema que se pretende totalmente novo, mas que no fundo já não é assim tão novidade nos mais elevados meios académicos. (Se não leram o livro e não se importam de saber de que trata a história, vejam a título de exemplo este livro de Patrocínio Ribeiro, publicado pela primeira vez em 1927, no qual são referidos os mesmo documentos de que JRS faz uso para compor a sua história).

Mas voltando ao que estava a dizer, embora possamos fazer alguns exercícios de intertextualidade com os livros do Dan Brown, é injusto dizer que se trata do mesmo tipo de literatura. A dizer a verdade, não temos aqui uma corrida contra o tempo (nos livros do Dan Brown, o Robert Langdon consegue resolver todos os mistérios em pouco mais que 24 horas, não sem antes ter de despistar os maus que o querem matar). Não temos aqui um inimigo (pelo menos declarado) que ameace a vida do protagonista. O protagonista não está "disponível" para o amor inconsequente, uma vez que é casado e, surpresa das surpresas, tem uma filha com síndrome de Down! Digo surpresa das supresas, porque este não é de facto o herói típico que estamos à espera de encontrar nas páginas de um livro, ou na tela do cinema (e ainda bem, o livro e a credibilidade do autor só têm a ganhar com isso), embora seja jovem e garboso e não seja indiferente às bombas sexuais suecas que lhe surgem pelo caminho.

Para além disto tudo, é curioso que JRS não se fique pela História e também faça incursões por áreas muito mais abrangentes e interessantes, tais como a Filosofia (como manobra de diversão, claro, para encher umas quantas páginas, quando até era bastante fácil perceber o enigma, pelo menos para quem está habituado a ler e anda atento aos títulos dos livros por aí existentes), pela História das Religiões (nada de muito aprofundado, mas já que está de visita a Jerusalém aproveita-se...), pela Gastronomia (a descrição dos vários pratos que vai comendo nos sítios por onde vai passando não são de todo essenciais para o desenvolvimento da narrativa, mas não deixa de ser interessante), pela Medicina (no que respeita à doença da filha) entre outros exemplos.

Curioso é também o facto de ambientar as diferentes conversas que vai tendo com as diferentes personagens em monumentos ou locais importantes da História portuguesa ou lisboeta. Ele podia falar com eles em qualquer café da cidade, mas combina n'A Brasileira ou no Nicola; no Mosteiro dos Jerónimos, no Castelo de S.Jorge, na Quinta da Regaleira ou no Convento de Cristo em Tomar... Tendo este livro sido traduzido para várias línguas (e estando já previsto um filme baseado nele) parece-me que não foi de todo "inocente" a escolha desses locais, mas ainda bem. Ao menos assim os não portugueses ficam a saber um pouco mais da cultura portuguesa e não lhes faz mal nenhum.

Para concluir, devo dizer que acho que este livro, acima de tudo, demonstra que JRS fez um longo e aprofundado trabalho de casa, dando a conhecer ao grande público um assunto que
curiosamente não está de todo divulgado e que é bastante apelativo ao nosso patriotismo. E tirando uma ou outra parte em que o livro parece deter-se em coisas desinteressantes e que nada acrescentam à história, é bastante cativante. O final decepciona um pouco (e duplamente!), mas depois de reflectirmos sobre a história, não nos sentimos de todo defraudados. Vale a pena.

9 estrelas

2008/01/11

A Relíquia - Eça de Queirós

Caros amigos da Companhia das Letras. Depois de ter sido convidado pelo NCD a colaborar com este blog (o que tentarei fazer sempre que achar conveniente), aqui fica o meu primeiro contributo. A ideia deste espaço é precisamente a troca de ideias e opiniões sobre as leituras que vamos fazendo, por isso não se acanhem e comentem, rebatam, divirtam-se acima de tudo.

Que rica Relíquia que Eça nos oferece nestas pouco mais de 250 páginas. Como de resto, já nos tem habituado em todos os outros seus livros, o autor escreve de maneira absolutamente irrepreensível. A adjectivação inesperada, a crítica social, seja ela directa (através da boca das personagens) ou indirecta (através dos próprios actos das personagens em determinadas situaçõeS), veio reforçar a ideia de que este é realmente um dos meus autores portugueses preferidos de sempre.

No entanto, temo bem que este não seja o livro de Eça de Queirós que mais gostei de ler até hoje. Para isso, contribuiu grande parte do corpo central do livro, especialmente a "jornada ao passado" (como lhe chama Topsius), ou seja, o sonho do Teodorico Raposo à Jerusalém de Jesus. Toda a narração é, sem desprimor para a capacidade narrativa de Eça, maçadoramente desinteressante. Exceptua-se apenas a sua parte final, em que um Eça descrente e ateu, republicano e liberal, narra "a lenda inicial do Cristianismo", o mesmo é dizer a (não) ressureição de Cristo.

Este Teodorico Raposo, a personagem principal, é sem dúvida uma das personagens mais castiças que já tive oportunidade de conhecer. Um fanfarrão, muito orgulhoso das suas barbas viris, mulherengo inveterado, mas mais convencido que bem sucedido (como acabam por demonstrar as infidelidades das mulheres com quem vai conseguindo ter relações amorosas), mas acima de tudo, é ridiculamente cómico. A única coisa que chega a chocar mais nesta personagem rocambolesca é o facto de ser tão interesseiro ao ponto de querer "apressar a obra lenta da morte", chegando mesmo a dar-lhe ganas de "espancar aquela velha". É verdade que ninguém merece uma tia como aquela "horrenda" D.Patrocínio, mas desejar tal sorte à senhora, teria como inevitável desfecho aquele que realmente acaba por suceder. Ainda vemos, quase no fim da história, uma espécie de redenção do ilustre mentiroso, mas não é que Teodorico, mesmo depois de ser visitado pela própria consciência, não aprendeu a lição? (Como não poderia deixar de ser, ou não fosse Eça o mestre na descrição das ironias - pelo menos daquelas em que nos deixamos cair - da vida).

8 estrelas