2008/02/26

Os Casos do Beco das Sardinheiras - Mário de Carvalho

Este é um pequeno livro de contos cheio de humor, recheado de personagens tipicamente alfacinhas, que têm tanto de verosímil como as pequenas histórias têm de inverosímil. A mim agradam-me estas pequenas incursões pelo fantástico, mas ao mesmo tempo gosto de ver no fantástico o espelho de algo mais concreto e, às vezes, isso escapa-me neste livro. Cria-se a oportunidade mas não se segue por ela até ao fim, cria-se o esboço mas falha a imagem. Mas, claro, isso sou eu a complicar, a querer ainda melhor, mais que óptimo. E este livro não é assim. É um livro simples, com personagens simples e histórias simples. É um lindo postal ilustrado de uma Lisboa mourisca, labiríntica, cheia de becos e, claro, de sardinheiras.
Querer mais que isto, está claro, é já confundir género humano com Manuel Germano...

Inés da Minh'Alma - Isabel Allende

Este livro foi para mim o reencontro com a grande escritora da Casa dos Espíritos, do Plano Infinito, do Paula. Senti-a um pouco mais perdida, mais repetida, nos Contos de Eva Luna, no Retrato a Sépia, na Filha da Fortuna. Não gostei da trilogia juvenil que escreveu. Achei interessante o Zorro, embora não tivesse a força de escrita daqueles primeiros livros.

Este Inés é um épico e, melhor ainda, um épico biográfico. Essa noção de tangibilidade das personagens e dos acontecimentos, misturada com ambiente mágico e fantástico que é próprio desta escritora fazem deste um grande livro.
Deu-me um enorme gosto lê-lo, li-o com sofreguidão, como já há muito tempo não lia.
Não é fácil escrever assim, com este rigor e ao mesmo tempo com esta capacidade. Percebe-se claramente que há uma enorme recolha de dados por trás deste livro. A mim fez-me lembrar, precisamente pela informação histórica, a Guerra do Fim do Mundo do Vargas Llosa.

2008/02/09

Sul - Viagens, Miguel Sousa Tavares

Ultimamente tenho andado numa fase em que pouca paciência tenho para as leituras. E, além disso, não sei bem porquê, mas ultimamente só tenho conseguido ler fora de casa (transportes públicos, bancos de jardins, cafés - desde que não sejam muito barulhentos - enfim, qualquer sítio que não seja em casa). Por essas razões, recomendaram-me que lesse livros de viagens. Numa das minhas idas à biblioteca vi lá este livro de MST e como já tinha ouvido falar dele, decidi trazê-lo comigo. Chegado ao fim da sua leitura, posso tirar as seguintes conclusões:

- Trata-se de um livro algo irregular, com diversos textos interessantíssimos e outros que não são nada de extraordinário. Por exemplo, o primeiro texto (o da Amazónia), não me conseguiu prender o interesse. De tal maneira que quase pensei em ler as restantes crónicas de viagens mais na diagonal, sem dar propriamente muita atenção ao que estaria ali escrito. No entanto, os capítulos seguintes foram a pouco e pouco conquistando o meu interesse e, embora tenham continuado a surgir banalidades de estilo jornalístico ao longo do livro, os textos tornaram-se mais entusiasmantes.
- Gostei bastante dos capítulos dedicados às antigas colónias portuguesas. Arrebatou-me o texto "Goa, o sonho impossível", assim como "Um rio há-de correr em Cabo Verde" e "São Tomé e Príncipe: as ilhas maltratadas". Ficou verdadeiramente a vontade de visitar aqueles lugares que parecem tão próximos, mas que estão tão distantes. "Alhambra: os jardins de Alá" também tem o seu interesse, já os textos relativos ao Brasil e à Costa do Marfim não me encantaram.
- A principal razão pela qual não terei gostado tanto deste livro talvez tenha sido porque encontramos aqui, na sua maioria (11 textos de 12) a repescagem de reportagens publicadas na revista Grande Reportagem nos anos 90 (dirigida na altura por ele próprio). Até que ponto se se justifica a edição de um livro propositadamente para as reunir, uma vez que, com o passar do tempo, tudo isto soará (já começa a soar) antigo (da mesma maneira que uma notícia de um jornal se torna antiga)?
- O texto mais bem conseguido é, na minha opinião, o último "A pista para Tamanrasset", verdadeira viagem, mais do que ao e pelo deserto, ao íntimo dele próprio. É neste texto que conseguimos sentir o verdadeiro espírito de aventura e sentimento de desapego total (aos bens materiais e aos bens humanos) que uma viagem implica. Um espírito de aventura que, mais do que nos levar ao nosso destino, nos leva ao interior de nós mesmos. A viagem que vale mesmo a pena realizar. A viagem que se tem vontade de repetir.

7 estrelas

2008/02/03

Equador, Miguel Sousa Tavares

Li o Equador do Miguel Sousa Tavares (a edição ilustrada com postais da época) há já algum tempo e, como foi um livro de que gostei bastante, decidi vir aqui deixar a minha humilde opinião sobre o referido livro.

No geral, gostei bastante. A princípio pensava que ia demorar imenso tempo a acabá-lo, mas até nem demorei assim tanto. Julgo que terá sido porque MST acaba por escrever de uma forma, se por um lado demasiado prolixa e, porventura, descabida (ex: "dotada de atributos que o vasto decote do seu berrante vestido verde abundantemente documentava"), por outro bastante vívida e interessante.

Quanto à personagem principal, é o típico herói bem-parecido, bon-vivant, um verdadeiro gentleman, com o qual não podemos deixar de sentir empatia. No entanto, isso limita demasiado o seu desenvolvimento enquanto personagem, porque a torna plana e entediantemente previsível.

Há ainda uma série de episódios ao longo do livro, os quais, embora ajudem a enquadrar a história, são demasiado longos ou surgem após momentos-chave da narrativa, tornando-a pesada e tirando-lhe ritmo (exemplo disso são as vicissitudes do cônsul britânico ou o julgamento dos serviçais fugidos). Além disso, certos episódios são um tanto ou quanto desnecessários (a visita nocturna ao quarto da proprietárias de uma das roças) ou então previsíveis (os excessos de Ann quando estamos quase a chegar ao fim da história). Mas verdade seja dita que, por outro lado, o acontecimento derradeiro é bastante surpreendente, embora após reflexão se chegue facilmente à conclusão de que a história não podia terminar de maneira diferente... Infelizmente...

Pontos positivos: o tema abordado (resquícios de escravatura na mais pequena colónia portuguesa em África) é mesmo muito bom. Portugal, ainda que "nação civilizadora" está ali representado de forma desencantada e pessimista, verdadeiro retrato do Portugal de inicíos do século XX(I?).
O que chateia um pouquinho no livro é somente o facto de MST querer passar-se, quase à força, por Eça, quando na realidade o mestre é difícil (senão impossível) de igualar.

Em suma: gostei do que li, se bem que fiquei com a pequena sensação de que poderia ter sido melhor. Em todo o caso, não me arrependo do tempo que dispensei a este livro.

8 estrelas (ou será 9? estou indeciso)

2008/02/01

O Mesmo Mar, Amos Oz

Eu arriscaria dizer que as opiniões das pessoas que lêem este livro se poderão dividir entre: aqueles que perceberam o que leram e gostaram, aqueles que perceberam e não gostaram e aqueles que pouco perceberam e mesmo assim gostaram. Eu incluo-me neste último grupo.

Este livro é uma autêntica manta de retalhos, bocados de textos que formam um padrão quase disconexo, mas mesmo assim ligados uns aos outros pelos fios da imaginação (ou será da loucura?) deste autor israelita. Os vários planos narrativos da história intersectam-se todos, inclusive o do narrador (que é assumidamente o autor) que, de forma muito estranha, também participa na acção que ele próprio narra, interagindo com as personagens (ou melhor, as personagens interagem com ele) por ele não-criadas.Tudo é estranho neste livro: Nadia, apesar de morta, continua presente, e mantém ou manteve uma relação quase incestuosa com Rico, o qual por sua vez abandonou a namorada e partiu para o Tibete, e por quem Albert acabará por se apaixonar. Tudo está relacionado entre si, por mais absurdo (ou será surreal) que seja. É uma história que não tem princípio, nem fim, ou em que o fim não é o fim e o princípio dificilmente é o princípio. Cada um que a ler que escolha a opção que mais lhe agradar...

No fundo, gostei bastante deste livro por ser esta coisa meio esquisita, em que o que é pode não ser e em que o que não é, não será. Se eu fosse escritor, era assim que gostava de escrever.

8 estrelas