2008/01/27

O Códex 632 - José Rodrigues dos Santos

Olá caros amigos amantes das letras. Cá estou eu de novo, desta vez para falar de um livro que, com rigor, não posso dizer que li. Antes mo leram. E quem? Pois nem mais nem menos que o actor português Ricardo Carriço.

O Códex 632 foi o primeiro audiolivro que tive oportunidade de escutar e como gostei bastante da história, não resisti a vir aqui deixar uma breve opinião sobre ele. Para começar, há que salientar que apesar de à primeira vista parecer, este livro não é bem como os do Dan Brown. Sim, é verdade que a personagem principal é um professor universitário. E sim, é verdade que é um especialista em criptografia. E também é verdade que é tratado aqui um tema que se pretende totalmente novo, mas que no fundo já não é assim tão novidade nos mais elevados meios académicos. (Se não leram o livro e não se importam de saber de que trata a história, vejam a título de exemplo este livro de Patrocínio Ribeiro, publicado pela primeira vez em 1927, no qual são referidos os mesmo documentos de que JRS faz uso para compor a sua história).

Mas voltando ao que estava a dizer, embora possamos fazer alguns exercícios de intertextualidade com os livros do Dan Brown, é injusto dizer que se trata do mesmo tipo de literatura. A dizer a verdade, não temos aqui uma corrida contra o tempo (nos livros do Dan Brown, o Robert Langdon consegue resolver todos os mistérios em pouco mais que 24 horas, não sem antes ter de despistar os maus que o querem matar). Não temos aqui um inimigo (pelo menos declarado) que ameace a vida do protagonista. O protagonista não está "disponível" para o amor inconsequente, uma vez que é casado e, surpresa das surpresas, tem uma filha com síndrome de Down! Digo surpresa das supresas, porque este não é de facto o herói típico que estamos à espera de encontrar nas páginas de um livro, ou na tela do cinema (e ainda bem, o livro e a credibilidade do autor só têm a ganhar com isso), embora seja jovem e garboso e não seja indiferente às bombas sexuais suecas que lhe surgem pelo caminho.

Para além disto tudo, é curioso que JRS não se fique pela História e também faça incursões por áreas muito mais abrangentes e interessantes, tais como a Filosofia (como manobra de diversão, claro, para encher umas quantas páginas, quando até era bastante fácil perceber o enigma, pelo menos para quem está habituado a ler e anda atento aos títulos dos livros por aí existentes), pela História das Religiões (nada de muito aprofundado, mas já que está de visita a Jerusalém aproveita-se...), pela Gastronomia (a descrição dos vários pratos que vai comendo nos sítios por onde vai passando não são de todo essenciais para o desenvolvimento da narrativa, mas não deixa de ser interessante), pela Medicina (no que respeita à doença da filha) entre outros exemplos.

Curioso é também o facto de ambientar as diferentes conversas que vai tendo com as diferentes personagens em monumentos ou locais importantes da História portuguesa ou lisboeta. Ele podia falar com eles em qualquer café da cidade, mas combina n'A Brasileira ou no Nicola; no Mosteiro dos Jerónimos, no Castelo de S.Jorge, na Quinta da Regaleira ou no Convento de Cristo em Tomar... Tendo este livro sido traduzido para várias línguas (e estando já previsto um filme baseado nele) parece-me que não foi de todo "inocente" a escolha desses locais, mas ainda bem. Ao menos assim os não portugueses ficam a saber um pouco mais da cultura portuguesa e não lhes faz mal nenhum.

Para concluir, devo dizer que acho que este livro, acima de tudo, demonstra que JRS fez um longo e aprofundado trabalho de casa, dando a conhecer ao grande público um assunto que
curiosamente não está de todo divulgado e que é bastante apelativo ao nosso patriotismo. E tirando uma ou outra parte em que o livro parece deter-se em coisas desinteressantes e que nada acrescentam à história, é bastante cativante. O final decepciona um pouco (e duplamente!), mas depois de reflectirmos sobre a história, não nos sentimos de todo defraudados. Vale a pena.

9 estrelas

2008/01/11

A Relíquia - Eça de Queirós

Caros amigos da Companhia das Letras. Depois de ter sido convidado pelo NCD a colaborar com este blog (o que tentarei fazer sempre que achar conveniente), aqui fica o meu primeiro contributo. A ideia deste espaço é precisamente a troca de ideias e opiniões sobre as leituras que vamos fazendo, por isso não se acanhem e comentem, rebatam, divirtam-se acima de tudo.

Que rica Relíquia que Eça nos oferece nestas pouco mais de 250 páginas. Como de resto, já nos tem habituado em todos os outros seus livros, o autor escreve de maneira absolutamente irrepreensível. A adjectivação inesperada, a crítica social, seja ela directa (através da boca das personagens) ou indirecta (através dos próprios actos das personagens em determinadas situaçõeS), veio reforçar a ideia de que este é realmente um dos meus autores portugueses preferidos de sempre.

No entanto, temo bem que este não seja o livro de Eça de Queirós que mais gostei de ler até hoje. Para isso, contribuiu grande parte do corpo central do livro, especialmente a "jornada ao passado" (como lhe chama Topsius), ou seja, o sonho do Teodorico Raposo à Jerusalém de Jesus. Toda a narração é, sem desprimor para a capacidade narrativa de Eça, maçadoramente desinteressante. Exceptua-se apenas a sua parte final, em que um Eça descrente e ateu, republicano e liberal, narra "a lenda inicial do Cristianismo", o mesmo é dizer a (não) ressureição de Cristo.

Este Teodorico Raposo, a personagem principal, é sem dúvida uma das personagens mais castiças que já tive oportunidade de conhecer. Um fanfarrão, muito orgulhoso das suas barbas viris, mulherengo inveterado, mas mais convencido que bem sucedido (como acabam por demonstrar as infidelidades das mulheres com quem vai conseguindo ter relações amorosas), mas acima de tudo, é ridiculamente cómico. A única coisa que chega a chocar mais nesta personagem rocambolesca é o facto de ser tão interesseiro ao ponto de querer "apressar a obra lenta da morte", chegando mesmo a dar-lhe ganas de "espancar aquela velha". É verdade que ninguém merece uma tia como aquela "horrenda" D.Patrocínio, mas desejar tal sorte à senhora, teria como inevitável desfecho aquele que realmente acaba por suceder. Ainda vemos, quase no fim da história, uma espécie de redenção do ilustre mentiroso, mas não é que Teodorico, mesmo depois de ser visitado pela própria consciência, não aprendeu a lição? (Como não poderia deixar de ser, ou não fosse Eça o mestre na descrição das ironias - pelo menos daquelas em que nos deixamos cair - da vida).

8 estrelas