2006/06/28

Fiz das Pernas Coração


Esta é uma antologia de Contos Tradicionais Portugueses, ‘nascidos’ da tradição oral cada vez mais adormecida nos nossos dias. Alguns destes contos fazem mesmo parte da memória de histórias contadas durante a infância do autor (José António Gomes) por ‘tias’ e outras figuras que tanta falta fazem hoje no imaginário das nossas crianças.

É um livro engraçado pela diversidade e originalidade de contos onde coabitam saudavelmente os ‘tontos’ tão comuns na nossa literatura oral, com o com as Mouras e os seus encantos. É de referir que o autor é do Algarve e a infância algarvia adivinha-se nas suas escolhas, coisa que não prejudica em nada o livro, até porque o próprio faz referência à sua terra natal.

“Na selecção dos textos, procurei contemplar diferentes tipos de narrativas, nomeadamente os contos de encantamento, as histórias de animais, as lendas e as facécias. Sendo esta última uma categoria em que a nossa tradição oral é, a meu ver, particularmente rica, optei por lhe dar algum relevo, na convicção também de que o carácter jocoso e burlesco de tais contos poderia conferir à colectânea uma tonalidade mais humorística do que é habitual em obras deste tipo.” Pág. 4

Dos contos deste livro, deixo uma refência especial para dois que, a mim, me encantaram.
“As Senhoras da Mantinha de Seda” - Pág. 27
“Conto da Pêra de Ouro” - Pág. 33


Continuem em boa companhia!

2006/06/22

Um ano em boa companhia

Este é um blog de letras e não de números mas, ainda assim aqui fica: ao final de um ano de existência (passou no último dia 14) mais de 3.200 entradas. Não está mal de todo.

Agora, ao soprar as velas, gostava de pedir mais participação, mais comentários, mais livros. Espero que seja do interesse de quem nos lê, gostava de ter maior feed-back.

Sei alguns dos erros que temos: posts muito espaçados, com uma avalanche repentina quando há tempo para isso. Vamos tentar ser mais constantes.

Para que saibam: gostámos muito de estar na vossa companhia.

Coelhinho branco - Conto popular adaptado por Xosé Ballesteros

É a história da formiga rabiga, sem tirar nem pôr. Eu gosto da história, menos das ilustrações. E pronto, pouco mais a dizer.

2006/06/21

Eu não tenho sono e não vou para a cama - Lauren Child

Uma história sobre uma menina difícil de fazer chegar à cama. Ilustrações muito ao estilo pop, não deixa contudo de ser um livro engraçado, mas sem muito sumo para espremer. Afinal, também aí bastante pop. A capa promete mais do que dá. Pop?

Carlota Barbosa, a bruxa medrosa - Layn Marlow

Um livro sobre medos e coragem. Sobre como os medos nos podem perturbar e como os momentos de decisão nos podem ajudar a ultrapassar os medos. Quero que o meu filho o leia, não faço questão que o tenha.

Onde perdeu a lua o riso? – Miriam Sanchez

Não gostei particularmente deste livro. Joga à volta do trocadilho entre o nome do astro (lua) e o de uma menina (lua), que perdeu – esta última e não aquela – o riso.
O trocadilho é um bocadinho forçado, já que lua não é propriamente um nome usual para dar às crianças e tão pouco é bem explorado ao longo do livro (não se desenvolvem paralelismos entre a menina e astro que justifiquem aquela identificação). É, apesar de tudo, um livro que fala das relações familiares, em particular entre irmãos, de uma forma agradável. Mas fica aquém daquilo que promete.

A Maior Flor do Mundo - José Saramago

Quando li alguns dos seus romances, pensei que Saramago seria um bom escritor de contos, visto que tinha boas ideias que esticava à exaustão, sem extrair delas tudo o que elas poderiam dar. Veja-se o exemplo do Ensaio sobre a Cegueira ou de Todos os Nomes. Com a Maior Flor do Mundo verifico que não é verdade. A maior flor do mundo, é um livro cansado: desenvolve-se numa estrutura circular, cansada de tanto ser usada, usa imagens cansadas, não traz nada de novo, nada de nada. Talvez a dificuldade seja escrever para crianças, talvez a dificuldade seja ser simples – que é sempre tão difícil. Se escreve contos assim, antes os romances, que dariam bons contos e deram romances sofríveis.

Histórias para contar em 1 minuto e ½ - Isabel Stilwell, com a colaboração especial de Francisco e Madalena Stilwell

Este é um livro muito inteligente. Histórias simples e curtas – como prometido – com uma lógica muito própria das crianças, mais simples, mais directa mas também menos realista do que a lógica “adulta”. Dou um exemplo: o que fazer se o pai tem um chefe de quem não gosta e o filho um professor de educação física de quem não gosta? É simples e óbvio: o professor troca de lugar com o pai e ficam todos felizes!
Ao mesmo tempo, e sempre fugindo à tentação das histórias moralistas, o livro vai resolvendo pequeninas questões: o medo do escuro, as birras á noite, não ter nada para vestir – apesar dos armários estarem cheios. É um livro a guardar perto de nós. Uma última nota: o Manual de instruções é muito interessante.
Outra nota ainda, esta já não sobre o livro: a edição é muito boa, de uma editora que eu não conhecia mas que espero que mantenha este nível de qualidade, literária e de edição.

Tio Lobo – Conto popular adaptado por Xosé Ballesteros

Este é daqueles livros inexplicáveis. Como é que uma história desta se forma? É suposto ser um conto popular... como é que uma história de tanto mau gosto não morre, já não digo à nascença mas pelo menos à terceira... vá, à quarta vez que é contada? E mais: porque é que alguém se lembra de a adaptar para um livro? É que sinceramente, uma história destas é daquelas que eu não quero que os meus filhos leiam! Pães com cimento lá dentro? Bolinhos de excremento de burro? Água de poças a saber a urina de cão? O lobo acaba a comer a menina, mas talvez isso não seja tão dramático como o medo que é inspirado pela sua ameaça... a menina vai-se deitar e não consegue dormir à espera do lobo.
Sinceramente, fiquei perplexo. Depois vi o nome da colecção e não pode deixar de rir com a ironia... chama-se livros para sonhar!

Avós – Chema Heras

Um livro delicioso, sobre uma história de amor para toda a vida. O envelhecimento e a relação amorosa. Apresentado de uma forma muito simples, muito bonita, sob a forma de uma lenga-lenga, as comparações são de uma originalidade e de uma frescura muito ternas. As ilustrações são muitíssimo cuidadas e sugestivas.
Uma história de valores sem falar de valores, que procura o essencial, que às vezes queremos esconder. Vale mesmo a pena.

Conspiração – Dan Brown

Estou a ficar francamente farto deste senhor. Não é que ele escreva mal aquilo que escreve, mas escreve sempre igual. Por isso está a tornar-se previsível, cada vez mais previsível. Comprei o Código Da Vinci, que li com gosto. Também o considero, como o Cardeal Patriarca de Lisboa, “um policial bem urdido”. Também o considero, como ele, um livro falacioso, de um ponto de vista teológico. O que me espanta é que se espere tanto de um autor que não tem qualquer autoridade nesta matéria e de um livro de ficção.
Depois li – não comprei - o Anjos e Demónios que achei burlesco. O estilo de escrita é o mesmo, o enredo é de uma proximidade exasperante, a única diferença – para muitíssimo pior está - no final, espalhafatoso, hollywoodesco, americanado.
Pura literatura de aeroporto.
A Conspiração – curiosamente lido em grande parte em Aeroportos – é fiel ao seu autor: a história é a mesma, as personagens andam muito próximas, o mau da fita é o mais óbvio, sinceramente, é tão idêntico aos outros que nem se pode dizer que decepcione.
Há dias em que me apetece comer hamburgueres. Faz sentido queixar-me de não me servirem bife da vazia? Os hamburgueres sabem sempre ao mesmo. E depois?
O que eu não estou disposto a fazer – e já não fiz com este livro – é comprar um hamburguer ao preço de um bife ou mais caro, e ainda dizer que é a melhor coisa que já comi. Não: é junk food e ponto final.
A Conspiração é literatura de plástico, feita para formato de bolso. Só é pena ser tamanho bigmac – e estou a falar da extensão do texto, não da edição, feita como se de um livro a sério se tratasse.

Casamento para um tempo novo - Antonio Vasquez

Este é mais um livro da colecção “Fazer família”. É nalguns pontos um livro bem escrito e inteligente. Noutros “tropeça” no enunciar de ideias esparsas sem as fundamentar ou delas retirar consequências. De todo o modo é um bom livro, um livro que vale a pena ler, por quem está a preparar-se ou a viver um casamento. Como sempre, poderá não se concordar com todas as ideias descritas, mas também é um facto que um livro onde se concorda com todas as ideias descritas raramente significa um apoio ou uma ajuda: torna-se demasiado complacente, conformado, conformista. Poderá até – quem sabe? – chegar a best-seller! Este livro não corre esse perigo.

Ensinar a pensar - António Jiménez Guerrero

É um assunto que me preocupa imenso, a perda de capacidade crítica que noto nas pessoas. As pessoas não aprendem a pensar, têm preguiça de pensar e caem em erros e omissões facílimas de desmontar.
Grande parte deste problema tem sem dúvida a haver com a incapacidade de compreender e se expressar em português.

Mas outra grande parte tem a ver com falta de bases lógicas e com aceitação acrítica dos argumentos, sem questionar as suas permissas de base.

Não posso dizer que concorde com cada palavra do que está escrito neste livro, mas também é um facto que ele tem muitos méritos. Desde logo, o mérito de abordar este tema, tão inusual nos dias de hoje. Também o facto de estar escrito de forma simples com variadíssimos exemplos ajuda uma fácil leitura e aquisição do seu conteúdo. Finalmente, as técnicas descritas são, na sua maioria muito úteis.

Tem também alguns defeitos: por vezes parte de um sistema algo “fechado” de abordagem das coisas e deixa algumas “promessas por cumprir”. Gostaria de ter visto mais desenvolvidos algumas questões como por exemplo a das falácias e da sua desmontagem, ou outras abordagens como a do pensamento criativo, a imaginação, a capacidade de descrição.

Quem lida diariamente com miúdos sabe até que ponto estas capacidades estão pouco estimuladas e consequentemente pouco exercitada e pouco desenvolvidas.

Outros autores falam, a este propósito em obesidade mental.

2006/06/16

A criança em ruínas


Foi pela voz de um grande contador de histórias ( Filipe Lopes ) que conheci a poesia de José Luís Peixoto e posso dizer que o “embate” foi forte. O Filipe leu o poema “na hora de pôr a mesa, éramos cinco” e eu fiquei atordoada, apertando as mãos à força das lágrimas que teimavam em espreitar (acho que não fui muito bem sucedida no disfarce...). Daí à leitura integral do livro foi “o passo de um anão”...

Posso dizer que a leitura não é simples e está longe de ligeira (o que, na minha opinião, só abona a favor do livro). Pelo contrário, é trabalhosa e requer uma grande envolvência, quase íntima, com cada palavra.

Este livro não se deixa florir com o simples gesto de folhear as páginas, é preciso tempo para ler até ouvir o ritmo certo de cada estrofe, que não se impõe, deixa-se descobrir a quem o quer encontrar. Mas não essa, afinal, a magia da verdadeira Poesia?!

É como se José Luís Peixoto quisesse ter a certeza que quem lê os seus poemas se dá ao trabalho de realmente os ‘ouvir’. O hábito de ler silenciosamente é razoavelmente recente e no caso deste livro, e porque não dizer em todos (ou pelo menos quase todos) essa modernidade fez perder parte do encanto do texto escrito. Dá muito mais trabalho e é muito mais difícil ouvir palavras ditas de lábios cerrados...

Como sempre, tive de lutar com a minha dificuldade em escolher uma pequena amostra “Como isolar um sabor de um bolo de várias camadas feito?” A escolha inicial era o poema que já referi, mas essa por tão óbvia peca pela facilidade. Assim deixo aqui este raminho de cheiros para aguçar o apetite.

“ainda que tu estejas aí e tu estejas aí e
eu esteja aqui estaremos sempre no
mesmo sítio se fecharmos os olhos
serás sempre tu e tu que me ensinarás
a nadar seremos sempre nós sob
o sol morno de julho e o véu ténue
do nosso silêncio será sempre o
teu e o teu e o meu sorrizo a cair (...)” Pág. 14
Continuem em "boa Companhia"!

2006/06/01

O Fio Da Navalha - Somerset Maugham

Laurence Darrel é um combatente da primeira guerra mundial que viu morrer o seu melhor amigo por ele. Este choque provocou em Larry o desejo de compreender o sentido da vida e partir da vida confortável que o conformismo lhe oferecia. Desfaz o noivado com Isabel e parte por esse mundo fora. Na busca do seu objectivo começa por frequentar obsessivamente bibliotecas, vive num mosteiro, trabalha numa mina de carvão, trabalha como lavrador à jorna e chega até a viver na Índia como eremita onde atinge a "iluminação".
Os outros personagens representam os outros contrastes do mundo, desde aqueles que consideram a cultura uma posse exclusiva de uma elite estanque, em que ser culto é uma condição que se deve ao “status” e não por ter conhecimentos, considerando todos fora da sua esfera como pobres analfabetos. Até aqueles que buscam a autodestruição devido às agruras que a vida lhes ofereceu. Maugham expõem aqui toda a mesquinhez e futilidade de um “jet-set” do inicio do século XX, cujo sofrimento é banal e insignificante face a quem realmente sofre e que também por isso, caminhava a passos largos para a decadência, numa América do Norte e Europa em constante mudança e instabilidade.
Numa visão mais ampla este livro é um confronto de um mundo velho contra aquilo em que se transforma, um instável mundo novo que busca novos caminhos em diferentes direcções. Partindo desde o fim do primeiro conflito mundial e os “loucos anos vinte”, passando pela crise de 29 e chegando até aos meados da década de 30 do século XX.
O autor Somerset Maugham é um dos personagens que estabelece a ponte entre todos os outros personagens numa escrita fantástica, que nada deixa ao acaso. Brinca com todos os pormenores, mas sem fazer descrições maçadoras, conseguindo fazer com que o leitor sinta todos os ambientes descritos no livro, que acaba por se tornar numa agradável companhia.