2008/06/24

Inês de Portugal - João Aguiar

Como já tive oportunidade de dizer anteriormente, o primeiro livro de João Aguiar que li foi A Voz dos Deuses. Para dizer a verdade, não gostei muito desse livro, ainda para mais porque já tinha ouvido alguns elogios ao autor e até tinha uma certa curiosidade em lê-lo. Ora bem, se não tinha percebido os elogios com A Voz dos Deuses, percebi-os com a Inês de Portugal. Verdade seja dita que aquele livro foi o primeiro romance do escritor, pelo que talvez não seja representativo de toda a sua restante obra. E de facto, assim penso, pois ao contrário daquele, adorei ler este livro.

Muito bem escrito, eu arriscaria dizer que este foi um dos melhores livros que li nos últimos meses. Nos últimos tempos li dois livros que tratavam o mesmo assunto que este, mas nenhum dos dois me deixou preso até ao final para saber como iria tudo acabar. Digamos que a história de Inês e Pedro é sobejamente conhecida e que, por isso, pode deixar pouco espaço à inovação. Mas aqui isso não acontece, pois a forma como a história é narrada (Inês já está morta e apenas tomamos contacto com ela através de analepses que nos transportam ao passado) permite uma visão nova de toda a história e até mesmo das personagens. Veja-se o caso de Pedro que, como é habitual, é aqui abordado de forma bastante dramática e amargurada. Contudo, vai-se um bocadinho mais longe, na sua sede de justiça (ou será melhor dizer 'vingança'?). Mais do que justiceiro, ele é cruel e isso deve-se ao facto de lhe terem tirado a mulher que mais amava em vida. E Inês? O cálculo político também aqui está visivelmente presente, mas como não nos deixarmos enternecer por tal figura, mero peão num jogo de xadrez de alcance muito mais difícil de explicar, porque muito mais vasto que isso, do que a simples ambição de ser rainha?

9 estrelas

O Milagre Segundo Salomé, José Rodrigues Miguéis

A primeira vez que tive contacto com José Rodrigues Miguéis foi há alguns anitos, quando andava na escola secundária. O autor fora professor nessa escola lisboeta e, na comemoração de um aniversário qualquer (teria sido da sua morte ou do seu nascimento?), expuseram no átrio principal do primeio andar todos os seus livros editados. Lembro-me vagamente de o professor de Português ter recomendado a leitura de alguns dos seus livros a título individual (uma vez que não é obrigatório no programa escolar do secundário). Entre os livros expostos, encontrava-se O Milagre Segundo Salomé... O título ficou-me no ouvido. Milagre? Segundo Salomé? Escusado será dizer que fiquei curioso para saber do que se tratava, até que estreeou um filme com o mesmo nome e que lançou alguma luz sobre o tema abordado no livro: uma reinterpretação do milagre de Fátima, não remetesse o livro para os inícios dos "anos loucos".

O Milagre Segundo Salomé é um livro dividido em 2 volumes e nele encontramos vários planos (a adolescência de Severino Zambujeira, algures em finais do século XIX; os artigos de jornal de Gabriel Arcanjo; e a história de Salomé propriamente dita, desde a sua chegada a Lisboa, o bordel, o seu encontro com Zambujeira e finalmente com Gabriel, não esquecendo o "milagre"). Como se percebe, todos os planos acabam por se entrecruzar e, enquanto que a vida de Salomé se apresenta mais interessante (ainda que algo prolixa demais), a infância e os artigos de jornal de Gabriel Arcanjo parecem deslocados e algo desnecessários para a história de fundo que se pretende contar.

Enfim... Considero que este livro está muito bem escrito. No entanto, não posso dizer que este tenha sido um dos melhores livros que li até hoje. Para isso contribuiu o facto de José Rodrigues Miguéis perder muito tempo com contextualiazações históricas demasiado pormenorizadas. Se por um lado, não é desnecessária uma contextualização histórica de toda a Primeira República, por outro acho que isso acaba por tornar muito maçuda a leitura do livro, dando-se demasiada importância a factos que desmotivam para o resto da história. É igualmente pena que os nomes das personagens e dos locais não tenham sido mantidas, embora o autor tenha afirmado que esta sua obra não tinha qualquer objectivo iconoclasta

Como conclusão, o que posso dizer é que este é um daqueles livros que, na minha opinião, estão bem escritos e que trabalham uma ideia muito boa, mas não da melhor forma. O que quero dizer é que José Rodrigues Miguéis poderia ter aproveitado melhor esta ideia de "reintrepretação" das aparições de Fátima (e uma forma interessante teria sido mesmo não alterando o nome da localidade em que se deu o referido "milagre", bem como das restantes personagens).

entre as 5 e as 6 estrelas

2008/06/23

A Voz dos Deuses - João Aguiar

Ouvi falar pela primeira vez deste livro e fiquei muito curioso por causa do tema que tratava... A vida e história de Viriato. Em conversa com uma amiga minha que está a tirar um curso em que tem de ler obras de literatura portuguesa posteriores a 1974, fiquei a saber que esta era uma das leituras "obrigatórias" (não gosto nada da palavra "obrigatório" quando se refere à leitura). Como eu já andava bastante curioso em relação a este livro, as dicas que ela me foi dando acerca dele impeliram-me a ir requisitá-lo à biblioteca e mergulhar no século II a.C., altura em que a Península Ibérica estava dividida em diversas tribos e em que os romanos lutavam para as dominar.

Este livro foi o primeiro romance de João Aguiar, o que de certa maneira pode explicar a razão pela qual a msua maneira de escrever não me ter encantado muito por aí além. De facto, não achei que estivesse escrito de forma inovadora ou até mesmo interessante, do ponto de vista literário. Trata-se de uma história normalzinha, sem nada de significante a realçar: Tôngio, sacerdote do Templo de Endovélico (um dos principais locais de culto ibéricos à época a que a narrativa nos remete) conta, no fim da sua vida, a forma como nasceu, cresceu e viveu numa Península Ibérica invadida pelos romanos, na tentativa de expandirem o seu Império até ao Atlântico. Vai daí, deambula pela Península até encontrar Viriato, famosa figura de que todos nós estamos habituados a ouvir falar desde que somos pequenos e ao qual é dado o epíteto de fundador, mais mítico que histórico, da nacionalidade portuguesa (como se à época houvesse essa coisa dos nacionalismos e como se ele imaginasse que alguma vez aqui, no extremo ocidental da Península, haveria de se formar um país chamado Portugal).

Curioso é o facto de João Aguiar, logo na advertência inicial, dar conta de que o seu objectivo com esta história é retratar um Viriato não mítico, mas mais de acordo com aquilo que se pode extrair dos documentos históricos que existem e que falam desta personagem tão famosa. Ora, o que acaba por acontecer é precisamente o contrário. João Aguiar faz-nos tomar contacto com um herói romantizado que almejava ser rei de toda a Ibéria e que é simultaneamente um general exímio, um diplomata exemplar, sóbrio no que respeitava a reclamar para si os espólios de guerra, fidelíssimo à sua mulher, entre outros aspectos do seu carácter que o tornavam... perfeito.

Pois bem, o resultado final ficou um pouco aquém daquilo que eu estava à espera, mas aparentemente essa foi precisamente a razão pela qual se incluiu esta obra numa cadeira que trata de literatura portuguesa pós-1974.

7 estrelas (para ser bonzinho)

2008/06/11

Bons Augúrios - Neil Gaiman & Terry Pratchett

Como prometido há já bastante tempo, aqui fica a pseudo-crítica a mais um livro de Neil Gaiman que li em Abril passado, desta feita o Bons Augúrios, escrito a meias com outro autor de referência do fantástico, Terry Pratchett.

Ora bem, este livro não deixa de ser engraçado, como é o exemplo de atribuir a invenção da nouvelle cuisine à Fome (um dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse) aquando de uma visita a Paris. Eu incluo esse 'episódio', na primeira parte do livro (até aí cerca da página 100), o qual não seixa de ser muito divertido e com um humor negro muito refinado e simultaneamente muito bem disposto. A partir daí, o livro deixa de entreter e divertir para se tornar verdadeiramente um bocejo, salvando-se apenas as notas de rodapé (que mantêm o tom humorístico do princípio do livro) e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (figuras que demonstram verdadeira capacidade de imaginação por parte dos autores, que os souberam adaptar muito bem a esta realidade em que o Anti-Cristo está vivo entre os seres humanos). No que a essas 4 figuras respeita, há apenas que fazer uma pequena correcção: o terceiro Cavaleiro do Apocalipse (aqui representado pela Poluição, mas originalmente a Pestilência) deveria transportar consigo um arco (e não uma coroa, como aqui acontece), para ser coerente com os versículos 4-6 do Capítulo 6 do Livro do Apocalipse. Mas isso não é grave, pois como já tive oportunidade de dizer, são os únicos rasgos de criatividade nestas 300 e tal páginas.

Este não foi, sem dúvida um dos melhores livros que tive oportunidade de ler nos últimos tempos, no entanto o que eventualmente saliento nele, para além do tom bem-diposto em que está escrito e que já referi, é o facto curioso de que a abordagem ao Mal nunca se poderá fazer sem a abordagem ao Bem. Crowley um demónio? Parecia tão anjo quanto Aziráfalo!

Além disso, o livro não deixa de ser interessante também por ser, a determinadas alturas, bastante crítico e mordaz, por exemplo, para com as cadeias americanas de fast food ou até mesmo para com os seres humanos como nós, como se pode atentar na seguinte citação: "Porque o cérebro humano não está equipado para ver a Guerra, a Fome, a Poluição e a Morte, quando não querem ser vistas, e aperfeiçoou a tal ponto essa capacidade que, muitas vezes consegue manter essa cegueira mesmo quando estão por todo o lado ao seu redor".

Vale a pena ler este livro, se para ele se tiver paciência.

7 estrelas (se tantas merece)