2009/06/24

Budapeste - Chico Buarque

Um livro que conta a sua própria história. A ideia de circularidade, que tanto me agrada, revela-se no final.

Linguagem simples, fluida. Lê-se de uma assentada.

Conta-se a história de um escritor que, de forma anónima, empresta os seus escritos a outros para que estes possam publicar obras/textos de qualidade como sendo suas. Personagem contraditória, ou melhor, que vive uma contradição interior. Por um lado, gosta do anonimato mas, por outro, não suporta que os que lhe são próximos elogiem os falsos autores do trabalho que na verdade é seu. Acaba por viver num espaço algures entre a realidade e a ficção, entre aquilo que é e escreve e aquilo que representa ver ou não livros assinados com o seu nome.

Confuso? Talvez, mas garanto que o livro não deixa espaço para confusões. Definitivamente, uma agradável surpresa.

2009/06/12

Um Estranho em Goa - José Eduardo Agualusa

Livro cheio de uma mistura de culturas que nos transporta pelo mundo lusófono sem sairmos do nosso próprio sofá. Interessante e misteriosa intriga onde o narrador se vê envolvido. Ou será: onde o próprio narrador se envolve? Move-o a curiosidade.

Agradaram-me as descrições, breves mas bem direccionadas: dos locais, das pessoas/personagens, dos hábitos do dia-a-dia. São os pormenores, como a descrição de uma simples refeição por exemplo, que tornam a história verosímil, apesar de nunca sabermos ao certo se o que “vemos” desfilar à nossa frente é realidade (ainda que só na vida das personagens) ou fantasia.

Livro rico em referências bibliográficas e musicais, certamente úteis para descobrir mais um pouco acerca da Índia. Tivesse eu tempo e possibilidade de viajar fisicamente até lá e lê-los-ia e ouvi-los-ia a todos avidamente.

Encantador. No sentido original, na medida em que lança sobre nós um feitiço e nos deixa inebriados com os cheiros, o calor e os sons típicos de locais quentes como a Índia, o Brasil ou África.

“Nenhuma moeda tem apenas um lado. Assim como não há vida sem morte nem luz sem sombra, da mesma forma o bem não faz qualquer sentido se não houver o mal.”

2009/06/05

As Velas Ardem Até ao Fim - Sándor Márai

Já tinha ouvido falar deste livro (ou melhor, já tinha ouvido o título deste livro algures), apesar de não saber ao certo do que tratava. Mas por se tratar de um autor húngaro, tinha imensa curiosidade em lê-lo.

Para não estragar a surpresa a quem venha a ler o livro, não me posso alongar muito na história, podendo apenas dizer que se trata da história de uma amizade. Não de uma amizade passageira, mas sim de uma amizade profunda entre dois homens que se conheceram nos finais do século XIX, no Império Austro-Húngaro, e que se reencontram muito tempo depois.

O livro está muito bem escrito e, apesar de não parecer muito verosímil (com capítulos seguidos narrados em monólogo, o que nos faz pensar estar a ver um filme de Manoel de Oliveira ou de Ingmar Bergman), acaba por ser muito interessante, pois além de levantar algumas questões filosóficas acerca da ideia de Amizade, ainda nos faz ponderar, de maneira mais pragmática graças aos acontecimentos que depois nos são narrados, se realmente a Amizade existe e se a tudo resiste. Diria que, neste aspecto, o livro acaba por dar uma visão pessimista disso mesmo.

Em termos literários, este é um livro difícil (algumas pessoas dirão 'enfadonho'), pois não acontece (ou demora a acontecer) alguma coisa que justifique o estarmos a lê-lo. Mas como está tão bem escrito, e após a curiosidade inicial, alcançamos a velocidade de cruzeiro e só conseguimos descansar quando chegamos ao momento em que "as velas arderam até ao fim".

Gostei. Acho que este livro vale a pena!

8 estrelas

Crónica de uma Serva - Margaret Atwood

Custa-me sempre começar um livro cuja acção não se passe num tempo real. Já assim me aconteceu com Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. No entanto, depois de ultrapassado esse obstáculo, percebem-se a ironia do texto e as “lições” que dele podemos tirar, por exemplo, no que diz respeito ao modo como nos relacionamos com os outros e ao modo como usamos levianamente a liberdade de que dispomos.

Porém, neste livro, com uma história original passada numa época futura, pós-feminista, apreciei sobretudo a estrutura. Há uma comunicação constante entre a narradora participante e quem a lê/ouve. Esta técnica agrada-me sempre. E há, ainda, o relato dos acontecimentos, que têm lugar no tempo da acção, intercalado com o relato das memórias da personagem que, inevitavelmente, nos fazem reflectir sobre o papel da mulher na sociedade.