2006/04/26

José Afonso - Textos e Canções

Esta é uma referência que não poderia deixar de fazer. Com ela festejo Abril e a liberdade de ler, publicar ou tão pouco comentar.

É uma compilação da obra poética de José Afonso organizada cronologicamente (por Elfriede Engelmayer) que nos presenteia, não só com os poemas que nos povoam o imaginário colectivo das Canções de Intervenção, mas com tantos outros textos/poemas 'não musicados' e, por isso desconhecidos.

A leitura destes últimos, permite um olhar muito mais profundo, mais íntimo e a descoberta do poeta para além do cantor.
"A possibilidade de acesso à obra de um artista é a condição «material» para que elenos seja presente(...)" (Nota Prévia - Pág. 8)

Aqui deixo um cheirinho (de alecrim) :

A palavra gatinha
Sem nada por cima
A palavra rompe
investe
perfura
Comprida a palavra perde-se
Em redor da mesa reveste-se e organiza-se

A palavra precisa de ternura

(A Palavra - Pág. 151)

***** ***** ***** *****

Nefretite não tinha papeira
Tuthankamon apetite
Já minha avó me dizia
Olha que a sopa arrefece

Nos funerais de antanho
As capicuas gritavam
E às escuras na cozinha
Já as galinhas dormiam

Manolo era o rei do fandango
Do fandaguilho picado
Maria se fores ao baile
Leva o casaco castanho

O rei João era dos tesos
Chamavam-lhe João dos Quintos
Lá na terra brasileira
Vinham quintais de Ouro Preto

Em suma a soma interessava
A quem interessa algum dia
De lingotes e pimentas
Ainda vamos ao fundo

Lá para o reino da Arábia
Havia amêndoas aos centos
Que grande rebaldaria
E a Palestina às escuras

Os Sheikes israelitas
Já que estou com a mão na massa
Lembram-me os Sheikes das fitas
Que dão porrada a quem passa
(Nefretite não tinha papeira - Venham mais cinco- Pág. 242)

Fiquem em boa companhia!

4 comentários:

Fernanda disse...

Fenomenal!!
Obrigada pela partilha!
Um beijinho
Ferncarvalho

Liliana Lima disse...

Obrigada mãe, por me teres cantado poemas que me ajudaram a entender o que não vivi, por estares presente agora repetindo-os aos meus filhos e por manteres a ponte entre as nossas margens.

NCD disse...

Gosto muito de algumas músicas, não gosto de o ver feito bandeira ou cravo, que eu não poria na lapela, porque nem só de cravos e muito menos vermelhos se fez Abril.
De todo o modo, deixo uma nota: está por fazer a recolha e o apreço das belíssimas músicas e letras deste tempo e está por fazer também a análise das letras pré-1974, do ponto de vista dos seus códigos subreptícios, não só ao nível da música, como do teatro e da imprensa. Fala-se sempre de situações pontuais, quase anedóticas, de como enganámos os gajos do lápis azul. O que falta é a análise sistemática e científica, histórica e literária desses documentos que faça memória e serenidade sobre os metacódigos que então se utilizaram.

Anónimo disse...

Very pretty site! Keep working. thnx!
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