Esta é uma referência que não poderia deixar de fazer. Com ela festejo Abril e a liberdade de ler, publicar ou tão pouco comentar.É uma compilação da obra poética de José Afonso organizada cronologicamente (por Elfriede Engelmayer) que nos presenteia, não só com os poemas que nos povoam o imaginário colectivo das Canções de Intervenção, mas com tantos outros textos/poemas 'não musicados' e, por isso desconhecidos.
A leitura destes últimos, permite um olhar muito mais profundo, mais íntimo e a descoberta do poeta para além do cantor.
"A possibilidade de acesso à obra de um artista é a condição «material» para que elenos seja presente(...)" (Nota Prévia - Pág. 8)
Aqui deixo um cheirinho (de alecrim) :
A palavra gatinha
Sem nada por cima
A palavra rompe
investe
perfura
Comprida a palavra perde-se
Em redor da mesa reveste-se e organiza-se
A palavra precisa de ternura
(A Palavra - Pág. 151)
***** ***** ***** *****
Nefretite não tinha papeira
Tuthankamon apetite
Já minha avó me dizia
Olha que a sopa arrefece
Nos funerais de antanho
As capicuas gritavam
E às escuras na cozinha
Já as galinhas dormiam
Manolo era o rei do fandango
Do fandaguilho picado
Maria se fores ao baile
Leva o casaco castanho
O rei João era dos tesos
Chamavam-lhe João dos Quintos
Lá na terra brasileira
Vinham quintais de Ouro Preto
Em suma a soma interessava
A quem interessa algum dia
De lingotes e pimentas
Ainda vamos ao fundo
Lá para o reino da Arábia
Havia amêndoas aos centos
Que grande rebaldaria
E a Palestina às escuras
Os Sheikes israelitas
Já que estou com a mão na massa
Lembram-me os Sheikes das fitas
Que dão porrada a quem passa
(Nefretite não tinha papeira - Venham mais cinco- Pág. 242)
Fiquem em boa companhia!
4 comentários:
Fenomenal!!
Obrigada pela partilha!
Um beijinho
Ferncarvalho
Obrigada mãe, por me teres cantado poemas que me ajudaram a entender o que não vivi, por estares presente agora repetindo-os aos meus filhos e por manteres a ponte entre as nossas margens.
Gosto muito de algumas músicas, não gosto de o ver feito bandeira ou cravo, que eu não poria na lapela, porque nem só de cravos e muito menos vermelhos se fez Abril.
De todo o modo, deixo uma nota: está por fazer a recolha e o apreço das belíssimas músicas e letras deste tempo e está por fazer também a análise das letras pré-1974, do ponto de vista dos seus códigos subreptícios, não só ao nível da música, como do teatro e da imprensa. Fala-se sempre de situações pontuais, quase anedóticas, de como enganámos os gajos do lápis azul. O que falta é a análise sistemática e científica, histórica e literária desses documentos que faça memória e serenidade sobre os metacódigos que então se utilizaram.
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