2008/07/25

A 25ª Hora, C. Virgil Gheorghiu

Este livro conta a história de Iohan Moritz, agricultor romeno que é requisitado para trabalhos forçados, como se fosse judeu - que não é. A odisseia porque ele passa é... indiscritível: prisioneiro, soldado, desertor, prisioneiro... enfim, uma odisseia que lhe é imposta por vários Estados sucessivamente, por vários domínios, por vários exércitos.
Este é um daqueles livros que não deve mesmo perder-se.
E isto por diversas razões: Não só porque está muito bem escrito, não só porque a história é interessante, mas também pelo seu valor como documento histórico e como reflexão sobre a nossa sociedade.

Com efeito, no que diz respeito ao holocausto é um documento histórico impressionante. O que mais me chocou ao longo de todo o livro, como uma nota de pedal, ao longo de toda a harmonia do livro, é que ninguém contesta que a personagem principal fosse presa se ele fosse judeu... apenas se reclama que ele não , e que consequentemente a sua prisão era uma injustiça. Note-se que este movimento conjunto das personagens nada parece ter de intencional por parte do autor, que é bastante mais explícito quanto ás contradições que quer por em evidência. Esta nota simplesmente perpassa todas as personagens e a forma como elas actuam.

Por outro lado, este livro faz uma descrição e crítica da "sociedade técnica ocidental", conceito que também define. Neste sentido, este livro é uma reflexão extraordinária, no que tem de actual. A sociedade técnica ocidental de que fala Gheorghiou é hoje em dia uma constante nos mais pequenos assuntos da nossa vida, desde as relações com as empresas até à relação com as administrações públicas, os call centers, os protocolos, médicos e não só... Não quero entrar em grandes pormenores porque não poderia fazê-lo com a competência do autor, mas quero apenas dizer que este livro é para mim um livro essencial para a compreensão da nossa sociedade.

Além disto queria ainda chamar a atenção para um pormenor: trata-se de uma tradução feita pelo Vitorino Nemésio, também ela muito interessante na forma como utiliza o português.

2008/07/07

Todos os Nomes - José Saramago

Para ser sincero, sempre gostei muito dos livros de Saramago que li, uns mais (A Jangada de Pedra, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Memorial do Convento, sendo que este está entre os 10 livros que mais gostei de ler até hoje), outros menos (História do Cerco de Lisboa) e outros assim-assim (O Ano da Morte de Ricardo Reis). No entanto, este Todos os Nomes terei de o colocar entre aqueles que gostei menos, não por ser pior que os outros, mas por uma questão de gosto pessoal.

A certa altura, diz o Sr. José (personagem principal deste livro) ao seu tecto (!) o seguinte: "Vivia em paz antes desta obsessão absurda, andar à procura de uma mulher que nem sabe que existo" (pág.158). Precisamente! Quem é que se lembra de escrever um livro sobre um homem que trabalha numa Conservatória Geral do Registo Civil e que, de repente, se sente impelido a procurar uma mulher da qual não sabe nada e, chegado ao fim, pouco fica a saber dela? Essa é a premissa do livro, a qual não achei especialmente genial, o que me fez ficar com o pé atrás à medida que ia lendo o livro.

No entanto, não se pense que só encontrei aqui aspectos negativos. De facto, houve alguns aspectos do ponto de vista literário e não só que me agradaram. Achei curioso todo o espaço físico em que a história foi ambientada, numa cidade cujo nome nunca ficamos a saber, onde existe um cemitério gigantesco e de estranha configuração e uma Conservatória Geral do Registo Civil enorme e em constante expansão. Eu diria, não sei porquê, que esta história se passa por alturas dos anos 30, talvez porque Saramago imprima esse universo às suas obras, quando não é declarada a data exacta dos acontecimentos que narra.Também não deixa de ser interessante o facto de Saramago ter conseguido escrever um livro em que a única personagem que tem efectivamente nome seja o Sr. José (penso que no Ensaio Sobre a Cegueira, livro que pretendo ler brevemente, vai ainda mais longe a absolutamente ninguém que lá surge tem nome!).

Depois achei também interessantes algumas críticas subjacentes à organização hierárquica do trabalho ("A distribuição das tarefas pelo conjunto dos funcionários satisfaz uma regra simples, a de que os elementos de uma categoria têm o dever de executar todo o trabalho que lhes seja possível, de modo a que só uma mínima parte dele tenha de passar à categoria seguinte."), à fama, à burocracia, até mesmo aos debates estéreis entre a elite cultural, a par de muitas outras e diversas considerações sobre a morte ("O que está para além da morte, nunca ninguém viu nem verá, de tantos que para lá foram, nunca nenhum voltou cá") e, mais especificamente sobre o suicídio (representado pelo pastor que o Sr. José encontra no cemitério) e de todo um pessimismo que atravessa o livro, a que Saramago de certo modo, já nos foi habituando. "(...) o que deves pensar é os pesadelos da infância nunca se realizam, muito menos se realizam os sonhos".
No entanto, isto tudo não foi suficiente para que, no geral, o livro me agradasse e o considerasse uma das melhores leituras dos últimos tempos. No fundo, esta é a história de um homem que inicia uma busca por uma mulher que nunca encontrará, para além de contar inúmeras situações e episódios completamente desnecessários e maçudos, que nada acrescentam (bons exemplos disso são o diálogo absurdo entre o Sr. José e o enfermeiro ou quando ele assalta a escola e fica lá a dormir uma noite), para além de longos parágrafos em que não abunda a pontuação.

Quero, contudo, deixar aqui a salvaguarda que considero Saramago um dos autores mais inspirados na literartura portuguesa contemporânea. É um facto que não gostei muito deste livro, mas é de salientar que o mesmo foi publicado em 1997, o ano anterior em que o autor recebeu o Prémio Nobel, pelo que inevitavelmente faz parte das obras que contribuíram para que ele o recebesse. E sem dúvida que mereceu receber o referido prémio. Ler Saramago é algo que não me cansarei de recomendar, porque vale sempre a pena, quanto mias não seja para conhecer a sua maneira de escrever, que se adora ou se detesta.

6 estrelas